Por Neto Lucon
A Corregedoria Nacional de Justiça (finalmente) autorizou e concedeu na quinta-feira (28) as normativas para que a retificação de nome e sexo/gênero da documentação oficial de pessoas trans ocorra em todos os cartórios do Brasil. A regulamentação ocorreu por meio do provimento nº 73 do CNJ.
Em março deste ano, o Supremo Tribunal Federal autorizou que pessoas trans pudessem alterar nomes e sexo no registro de nascimento, sem a necessidade de autorização judicial, cirurgias ou laudos médicos. Apenas a autodeclaração. Porém, apesar de alguns Estados passarem a emitir, não havia normativa nacional.
De acordo com o advogado Paulo Iotti, da ABLGBT e GADvS, as pessoas trans e travestis que almejam mudar suas documentações já podem ir aos cartórios de todo o país, uma vez que todos devem começar a emitir as certidões com o nome e gênero retificados. “É válido a partir de hoje, já que diz que passa a valer desde sua publicação”, afirmou.
Segundo o texto da CNJ, toda pessoa maior de 18 anos completos poderão fazer a retificação. “O procedimento será realizado com base na autonomia da pessoa requerente, que deverá declarar, perante o registrador do Registro Civil de Pessoas Naturais, a vontade de proceder à adequação da identidade mediante a averbação do prenome, do gênero ou de ambos”.
PROCEDIMENTOS
Iotti diz que a pessoa trans poderá dar entrada em outro Cartório de Registro Civil que não o que foi registrada e que caberá ao Cartório enviar para ele. Porém todos os custos desse tramite será da pessoa trans.
Para aquelas que estão com ação judicial para a retificação de nome, deve provar o arquivamento da mesma. A decisão é questionada por Iotti. “Uma burocratização lamentável para as pessoas trans que por acaso ainda tenham ações em curso. Devia ser quase o contrário: muda em cartório e após isso informa o Juízo do processo pra esse ser extinto. Mas decidiram complicar aqui, pois era só não citar isso que a pessoa poderia mudar em cartório sem problemas”.
Para dar entrada, a pessoa deverá apresentar uma série de documentos, bem como certidão de nascimento atualizada, certidão de casamento atualizada, se for o caso. Cópia do RG, cópia da identificação civil nacional (ICN / se tiver), cópia do passaporte brasileiro (se for o caso), cópia de pessoa física (CPF) no Ministério da Fazenda, cópia do título de eleitor, cópia de carteira de identidade social (se tiver), comprovante de endereço, dentre outros.
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As pessoas também devem apresentar certidões negativas de protestos e processos. Por outro lado, elas podem declarar que não tem processos contra si. “Também está expresso que dívidas e processos não impedirão a mudança de nome e gênero. Nesse caso, CNJ disse que deve ser oficiado o Juízo ou Cartório de Protestos competente”, declara Iotti.
NORMATIVA CAUSA DEBATE
Apesar do Supremo Tribunal Federal rejeitar a necessidade de laudos médicos, a CNJ coloca como “facultado (opcional) à pessoa trans juntar os documentos de “laudo médico” e “parecer psicológico que “ateste a transexualidade e travestilidade”, laudo médico que ateste cirurgia de redesignação de sexo.
“Se dizem que não precisa de laudos, é incoerente falar que a pessoa pode apresentá-los, se quiser. Se depende pura e simplesmente da autopercepção da pessoa de sua identidade de gênero, como reconhecido pelo CNJ, não faz sentido isso de laudos poderem ser apresentados. Ainda que facultativamente. Temo que isso possa gerar confusões. Mas CNJ foi expresso no sentido que ausência de laudos não inviabilizam mudança”, diz Paulo.
Outra questão levantada é que, caso o Oficial de Registro Civil suspeitar de alguma coisa, pode suscitar “dúvida” (um processo administrativo) para o Juízo Corregedor decidir. “Seria descabido exigir laudo nesses casos, até porque o Provimento expressamente diz que eles não obrigatórios. Dúvida Oficial pode suscitar sempre que achar que é o caso”, afirmou.
O advogado também diz que é uma pena que não mencionaram pessoas trans menores de idade, que também vivem o drama de não serem reconhecidos legalmente por seus nomes e gêneros. “As decisões do STF e da Corte IDH partiam da “autonomia da vontade”, algo que só se tem de maneira plena quando a pessoa é maior de idade. Pedi em nome de ANTRA, Aliança Nacional LGBTI, ABGLT e GADvS que se permitisse a mudança com consentimento dos pais e se permitisse a supressão de injusta recusa (transfóbica) por decisão judicial, mas CNJ não falou disso”.
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CONQUISTA
A retificação de nome e sexo/gênero de pessoas trans é uma das maiores reivindicações do movimento trans e travesti em todo o mundo.
Diversos relatos de opressão, agressão, preconceito e violações e exposição ocorrem quando uma pessoa apresenta uma documentação que não condiz com sua verdadeira identidade de gênero.
Com base no direito à dignidade da pessoa humana, entende-se que a pessoa trans tem direito ao nome e ao gênero em que ela se reconhece e é reconhecida na sociedade. E merece ser tratada ou tratado com respeito.