Homem trans Nicholas Amon realiza vaquinha para tratamento após transplante renal admin Agosto 21, 2024

Homem trans Nicholas Amon realiza vaquinha para tratamento após transplante renal

Nicholas Amon, homem trans de 22 anos, enfrenta desde os nove anos problemas renais. Ele chegou a fazer um transplante de rim aos 15 anos e, em 2018, voltou a ser diagnosticado com a Glomerusclerose Sistemática Funcional – GESF. Agora precisa de ajuda financeira para manter os cuidados e realiza uma vaquinha de 3 mil reais para conseguir quitar alguns dos gastos (contribua aqui).

O pedido de ajuda ocorre porque Nicholas mora em Salvador, Bahia, e realiza o tratamento regularmente no Hospital das Clínicas, em São Paulo. Ele não conta com nenhuma ajuda assistencial do governo com os gastos da viagem, hospedagem de sua mãe (ela não pode ficar no leito, por ele ser maior de idade) e alimentação – mesmo com sua família sem condições.

“A vaquinha vai ajudar nas passagens de ida e volta minha e da minha mãe, uma vez que não posso viajar sozinho, estadia, locomoção dela em São Paulo e alimentação. Eu também estou procurando outros meios, pedindo oportunidade de trabalho, como modelo, piercer e roupas para doação”, revela. Em Salvador, Nicholas mora com a namorada e, juntos, somam um salário mínimo. “Quando venho pra São Paulo, não consigo contribuir”.

Desde o dia 16 de janeiro, o jovem está internado no Hospital das Clínicas. Ele passa por três tratamentos: pulsoterapia, plasmaferese e imonossupressão com rituximabe. “Eu tive uma fibrose de 30% e estou com 70% do funcionamento renal. Estou com um pouco de medo, pois o médico disse que eu tenho mais cinco anos de transplante. E saber que o órgão que temos tem uma validade é difícil. Mas vou conseguir sobreviver a isso, fazendo o tratamento e seguindo à risca todas as recomendações para não ter essa perda”, disse.

GESF

Acompanhado da mãe, Nicholas conta que os problemas renais começaram aos nove anos. Os médicos chegaram a dar diversos diagnósticos equivocados como lúpus, e após três meses de testes e observação descobriram que se tratava de Glomerusclerose Sistemática Funcional – GESF – doença que ataca o rim diretamente, faz com que o órgão atrofie, crie fibrose (cicatriz) e pare de funcionar.

A peleja desde a descoberta foi grande. Nicholas chegou a passar por um médico de Salvador, mas recebeu uma medicação errada e quase morreu. Foi a partir dos 12 anos que a família, diante da pouca especialização no local, decidiu iniciar o tratamento em São Paulo. A cada consulta eles faziam vaquinha, rifa e até evento para pagar o tratamento na Beneficência Portuguesa.

“A minha família nunca teve condições, mas nunca desistiu de mim. Ela não tem casa própria, não tem carro, custou para comprar as coisas, fora que outras são doadas. Eu não tenho vergonha de assumir minhas raízes, pois sei da luta que eles tiveram para cuidar da minha saúde. Teve uma médica que, aproveitando da situação, queria cobrar 5 mil reais para o tratamento pulsoterapia, que era de graça no hospital”, declara.

Após conseguir uma vaga no Hospital das Clínicas, Nicholas foi transferido e iniciou um tratamento com um nefrologista. O objetivo era manter seu rim funcionado. “Eles tentaram de tudo, mas como o estado era grave e o tratamento equivocado que recebi na Bahia atrapalhou ainda mais, eu perdi meu rim”.

O jovem entrou para a hemodiálise (processo de filtragem e depuração de substâncias indesejáveis do sangue, como a creatinina e a ureia) e conseguiu uma doadora. Tratava-se de sua prima Ana Maria Araújo. “Com 15 anos eu consegui o transplante renal”, diz. Após a cirurgia, Nicholas conta que viveu sete anos de sua vida sem problemas, fazendo acompanhamento de três em três meses. Até que a GESF retornou e ele voltou a ter que se tratar.

“Toda a minha doença foi silenciosa, eu nunca tive nenhum tipo de dor renal. As dores que eu sentia eram só dor de cabeça na época que o rim não estava filtrando. Os médicos sempre se assustavam, pois diziam que é assim, sem sentir a dor, que o problema complica e a pessoa morre”, afirmou.

Durante todo o tratamento e transplante, Nicholas viajou da Bahia para São Paulo e de São Paulo para a Bahia. Em diversas ocasiões, amigos da família abriram as portas. Em outras, percebeu que estava incomodando. A família chegou a procurar ajuda do governo, mas a resposta não foi positiva. “Eles disseram que a gente veio por conta própria, pois eu poderia ter esperado o tratamento na Bahia. Mas a gente esperou e eu quase morri. Minha mãe conta que eu fiquei até azul, pois estava cheio de substâncias ruins no corpo e com medicação errada”, diz.

SOU HOMEM TRANS

Nicholas revela que só teve consciência de que é um homem trans aos 17 anos. Mas que desde sempre se identificou com o gênero masculino, ainda que não conseguisse colocar em palavras o que sentia. “Eu achava que era lésbica, depois conheci o termo tomboy. Eu fui me descobrindo sozinho, já me vestia como meus quatro amigos cis, mas não sabia que era trans”.

Tudo começou a ficar mais nítido quando ele estava em um ponto de ônibus com a mãe e passou a ser lido como o garoto que de fato é. “Eu pensei imediatamente: E se eu for de fato um menino? Acho que demorei a me entender porque morava em uma cidade de três mil habitantes (Nilo Peçanha, na Bahia) e a única pessoa trans que conheci era uma travesti a quem todos se referiam com termos pejorativos”.

Foi por meio da militância que ele pode se entender melhor e levantar a bandeira de sua identidade. Inicialmente passou a se chamar Nick. “As pessoas diziam: você só gosta de se vestir de homem, você não é homem trans. Até que um dia, diante de todos os processos que passei na militância, eu comecei a responder: Eu sei o que sou e sou um homem trans”. Ele conta que nesse dia ele tirou metade de toda a tristeza que sentiu durante toda a vida.

Inicialmente Nicholas gostava de ser andrógino e ser considerado um “homem trans diferente”, mas depois passou a sentir o peso e a cobrança de corresponder às expectativas de ser um homem trans. Ou seja, iniciar a terapia hormonal, ter pelos, fazer cirugias… “Minha saúde me barrava, mas depois dessas pressões cheguei a colocar ela de lado. Com 20 anos comecei a fazer a hormonização. Tentei acompanhamento médico, mas em cinco meses me descuidei, acreditando em produtos farmacêuticos, e voltei a ter problemas”, conta.

Os médicos pediram para ele suspender a hormonização e atualmente, em cuidado contínuo com a saúde renal, ele frisa que não sente falta. “Admito que fiz muito mais por pressão, de querer ser passável na rua, do que por minha vontade”, diz.

Ao comentar o tratamento no Hospital das Clínicas, Nicholas diz que é respeitado pela equipe. “Pude perceber que existe um preparo e um cuidado referente ao fato de eu ser um homem trans. Me tratam pelo nome social e me deram até um leito sozinho para que eu pudesse ter mais privacidade”, afirma. O objetivo dele agora é se cuidar, sair do hospital, conseguir um emprego e continuar levando sua vida com saúde.

Ao fim da entrevista, Nicholas pediu para deixar um recado: “Gostaria que as pessoas trans se apoiassem mais, além da questão do processo transexualizador, da hormonização e das cirurgias. Tudo fica muito limitado a essas questões e na ajuda sobre essas questões. Mas existem homens trans com doenças que não podem fazer os mesmos processos e que também precisam de ajuda. Não é sobre transmasculinidade, é sobre pessoa trans. Com certeza existem diversas pessoas trans que estão passando por diversos problemas e que se intimidam em pedir ajuda. Precisamos falar sobre essas outras questões, até para que haja mais estudos sobre pessoas trans e sobre os corpos como os nossos”, finaliza.

“Seja doador de órgãos, isso pode salvar vidas”.

LINK DA VAQUINHA: https://www.vakinha.com.br/vaquinha/ajuda-para-as-proximas-viagens-de-saude