Por Neto Lucon
A verdadeira visibilidade trans é aquela em que conseguimos ver a população de mulheres transexuais, travestis e homens trans em todos os lugares, trabalhando em diversas áreas e mostrando a importância da representatividade. É quando o sonho não é interrompido pelo preconceito e quando o orgulho de ser o que é fala mais alto que qualquer transfobia.
Nicole Alonso, 31 anos, vem quebrando tabus e preconceitos ao ocupar uma profissão que até então não acolhia a população trans brasileira. Ela é comissária de bordo de uma importante companhia aérea e topou conversar com o NLUCON para falar sobre sua trajetória. Diz que adoraria inspirar novas gerações e fazer com que elas e eles não desistam dos seus sonhos.
Natural de Santos e radicada em São Paulo, Nicole declara em entrevista exclusiva que passou por todas as exigências para trabalhar como comissária. Ou seja, fez o curso técnico, foi aprovada na prova da ANAC e tem habilitação para exercer a profissão. O inglês também é de extrema importância, pois faz parte do processo seletivo de qualquer companhia.
Ela trabalha em voos nacionais e internacionais e afirma que é um trabalho que exige muita dedicação, comprometimento e amor. “É importante gostar de lidar com pessoas. Ficamos muito tempo fora de casa, deixando as pessoas que amamos, nosso lar, datas comemorativas, Natal, Ano Novo. Então tem que amar muito”, diz.
A comissária conta, contudo, que quando entrou na empresa há oito anos, ainda não havia dito ao mundo que é uma mulher, ainda que já tivesse consciência de sua verdadeira identidade de gênero. “Fiz minha transição já estando empregada”, afirma. Foi após uma forte depressão que ela foi afastada pelo INSS e que realizou o chamado “processo transexualizador”. Ela já realizava a hormonioterapia e neste período “concluiu a transição”.
CONTEI COM O APOIO DE TODOS
Nicole afirma que desde que voltou a trabalhar na empresa e declarou ser uma mulher transexual foi acolhida por todos os profissionais. “Desde a minha volta a companhia esteve ao meu lado. Sempre tive apoio e, neste processo, também conversei com psicólogos, diretores, recursos humanos”, lembra.
Ela declara que no cotidiano não enfrenta problema com outros colegas de profissão e que foi bem aceita. Todos respeitaram sua identidade de gênero, nome e nome social, até que ela conseguiu retificar o nome e sexo/gênero da documentação na Justiça. Seu nome é oficialmente Nicole e está no crachá e em todos os documentos de identificação.
Os passageiros também a respeitam muito enquanto profissional. “Quanto aos clientes, muitos não percebem que sou transexual. Talvez isso ajude um pouco na aceitação”, frisa. Para quem a identifica enquanto mulher transexual, não há qualquer preocupação. “De forma alguma me incomodaria. Afinal essa é a minha realidade”, pontua.
Ela diz que não conhece nenhuma outra comissária que seja mulher transexual ou travesti e diz: “Sou a primeira do Brasil”. Ou pelo menos a primeira que tornou sua história pública em prol de outras.
Vale ressaltar que na Tailândia há uma companhia aérea chamada PC Air que desde 2011 traz várias mulheres trans trabalhando como comissárias. Todas passam pelos mesmos processos seletivos e são exigidos os requisitos profissionais bem como qualquer mulher cis. O objetivo é se diferenciar da concorrência e mostrar tolerância e respeito à diversidade.
Comissárias que são mulheres trans na Tailândia
PARA INSPIRAR OUTROS VOOS
Conhecemos a história de Nicole após um post da professora Sara Wagner York, que também é uma mulher trans, no Facebook. Ela comemorava o trabalho da comissária na companhia e fez a conexão entre o NLUCON e Nicole. Parte das militantes trans teve receio da exposição, visibilidade e possíveis represálias, desencorajando a matéria.
O mesmo receio não ocorreu com Nicole. Confiante no trabalho que desenvolve e das relações que estabeleceu, ela aceitou participar desta matéria do NLUCON alegando a importância de inspirar as novas gerações de mulheres trans, travestis e homens trans que sonham voar alto na profissão.
“É importante saber que com muita luta, respeito e profissionalismo podemos ocupar qualquer espaço. Fico feliz em espalhar sonhos”, afirma. Seu único pedido foi não mencionar o nome da empresa e não divulgar as fotos que identificasse o uniforme.
Para o Mês da Visibilidade Trans, ela dá o recado para as novas gerações: “Nunca desista dos seus sonhos. Por mais difícil que seja o caminho, com dedicação aos estudos, postura profissional, tudo é possível, novas portas vão se abrir”. Para aquelas que almejam ser comissárias: “O ponta pé inicial foi dado. Boa sorte para todas”.