Mães de filhas e filhos trans falam como amor, respeito e apoio transformaram suas vidas admin Fevereiro 12, 2019

Mães de filhas e filhos trans falam como amor, respeito e apoio transformaram suas vidas

Por Neto Lucon

Quando uma pessoa está gravida ou vai adotar uma criança, é comum que perguntem: “É menino ou menina?”. E mediante a resposta, que para a sociedade está entre as pernas, escolhem o nome, as cores, as roupas, os brinquedos e até os parceiros por meio desta definição, sem se questionar ou sequer perguntar sobre outras possibilidades.

Na vida prática, muita gente se vê contemplada pelo modelo imposto. Porém há muitas outras que não correspondem e não se encaixam na expectativa de gênero atribuído no nascimento. E, mais, com o tempo revela ser travesti, mulher transexual, homem trans, mulher trans, pessoa não-binária…

Em muitos lares brasileiros, muitas famílias agridem, discriminam e expulsam seus filhos e filhas. O motivador é a transfobia naturalizada pela falta de informação ou até mesmo pela religião. Em outros, há uma aceitação com ressalvas. Porém há casos – e esses devem ser levados como inspiração – que a receita do respeito, do amor, da busca pela informação e do acolhimento funcionam.

No Dia Das Mães, comemorado neste domingo (14), trazemos depoimentos de mães falando sobre seus filhos e filhas trans. E da relação positiva que construíram ao longo de suas vidas. A reportagem visa inspirar e responder as perguntas, sobretudo a clássica “Meu filho é trans: e agora?”, que recebemos de pais e mães cis que pela primeira vez lidam com a questão trans dentro de casa. 

Que os relatos a seguir toquem corações e transformem vidas…


“Ela nasceu para ser assim e só está vivendo a vida dela”
Antonia Moura de Souza, 81 anos, mãe de Bianca Moura de Souza

“Minhas amigas dizem: ‘Será que é doida?’. Jamais. Tenho 81 anos e sou muito feliz”

“Bianca é uma filha muito querida, obediente e corajosa. Fico o tempo todo na companhia dela aqui em Brasília. Tenho oito filhos, amo todos iguais, mas é dela que escolhi ficar perto. Notei que a Bianca era diferente dos irmãos desde criança, quando o pai dela dava uma bola e ela não gostava. Ela também só andava com as mulheres e as pessoas comentavam que ela era ‘fresco’. Eu dizia: ‘cada um vive a sua vida da maneira que quer’. E ao mesmo tempo pensava: ‘Será que minha filha vai ser mulher?’.

Eu notava que as mães de outros colegas dela brigavam, batiam, mas eu só dizia: ‘Vou deixar que o tempo diga. Seja feita a vontade do senhor Jesus Cristo’. Quando ela me contou, a minha preocupação foi só que os irmãos a aceitassem e não tivessem preconceito. Mas como eu ensinei todos a serem unidos, todos a respeitam e sentem orgulho. Tanto que mandam os filhos, meus netos, do Maranhão para cá.

Penso que ela está cumprindo a maneira que ela foi predestinada a nascer. Ela nasceu para ser assim e está vivendo a vida dela. Nunca tive vergonha. Tenho é prazer de andar com ela, de estar na companhia dela, me sinto feliz e quero que ela seja feliz. Quando ela falou que iria mudar o nome, eu falei ‘pode mudar, eu aceito’. Também aceitei um genro, que já se foi. Minhas amigas dizem: ‘Será que essa senhora é doida?’. Jamais.

Estou com 81 anos completos e sou muito orgulhosa, lúcida e feliz pelos meus filhos. Dentre eles, a Bianca. Neste Dia das Mães, vamos passar juntas na casa da minha irmã, que tem 100 anos”.

“Sabia que precisaria amar ainda mais a minha filha”
Rosiris Silva Fiore, 54 anos, mãe da Jade Naiad Silva Fiore

Mãe fica preocupada com as transfobias físicas e psicológicas

“Ter uma filha trans me ensinou muito sobre a vida. Até então, a gente vai vivendo no automático, tem marido, filhos… De repente, algo muda e você tem que repensar tudo. É um aprendizado muito grande, como se eu tivesse acordado para a vida, percebendo ao mesmo tempo que essa situação não é ruim.

Ela tinha uns 12 anos quando começou a fazer a mudança. Ela foi falando, foi mudando e estava com medo que eu fosse brigar, bater. Mas eu falei: ‘não tem nada a ver, eu aceito’. A gente fica um meio chocada, mas o amor não faz mudar nada. É minha filha, é minha vida, Deus me deu ela para cuidar e não é por ela ser trans que vou fazer como muitos pais, que colocam para fora.

Sempre tive a consciência de que o amor supera tudo, quis ela do meu lado, em casa e sempre dei conselhos. Sou feliz do jeito que ela é, ela é feliz do jeito que é e eu quero que ela se dê bem na vida. Só penso muito nas violências que ela pode sofrer. Não só a física, mas também a violência emocional, que é de procurar um emprego, a pessoa dizer que não está precisando e, ao virar as costas, contratar outra. Sinto muito medo e é por isso que digo que os pais devem amar ainda mais essa filha ou filho trans.

Em casa, tenho uma filha muito amorosa, companheira e que está sempre do meu lado. Quando ela vê que eu estou chateada, vem perguntar se está tudo bem, me dá conselhos. Mesmo sendo filha, é ela quem me dá conselhos. Neste Dia Das Mães a gente vai passar na casa da minha mãe”.

“Descobri um mundo novo, lindo e normal”
Cassiana Sousa Alonso, mãe de Alice Sousa Alonso

“Descobri que minha capacidade de amar é gigante”

“Pensava que a minha capacidade de amar era limitada, mas depois que veio a Alice eu descobri que a minha capacidade de amar é enorme, gigante, sem fim. Minha filha me chamou e me mostrou um vídeo de uma trans e eu fiquei muito confusa, senti medo. Então, ela disse que ela também era assim e eu, sinceramente, fiquei muito mal. Não sabia o que era, não sabia como agir, o que fazer. Chorei muito, dia e noite, foram semanas difíceis. Eu sofria e sofria também por ela.

O que me ajudou e me fortaleceu foi a minha mãe, a avó da Alice. A aceitação da minha mãe e a maneira positiva como ela reagiu diante disso tudo foi o que me ajudou. Aí fui pesquisar a respeito, estudar e aprender a lidar com a situação. Não foi fácil para mim e nem para ela. Mas comecei a mudar todos os meus conceitos sobre a vida. Era um mundo novo que se abria perante a mim. Minha família aceitou, Alice foi acolhida, fomos acolhidas.

A minha filha é o melhor presente de Deus, meu bem maior, meu desafio, minha força, meu motivo para acordar todos os dias e ir à luta, meu dengo, meu docinho. É minha amiga, inteligente, cuidadosa. Me sinto a menina dos olhos de Deus, pois ele confiou aos meus cuidados Alice. Ele me achou capaz de amá-la incondicionalmente, cuidar, proteger, amparar e enfrentar junto dela todos os percalços da vida.

Meu conselho aos pais que estão diante desse presente na vida é: ame, ame, ame muito. E descubra a maravilha que é ter filhos e filhas trans. Liberte-se das algemas do preconceito, da sociedade e todo o resto. É sua, somente sua, a responsabilidade de fazer o seu melhor pelos seus filhos trans. Descubram que a capacidade de amar é gigante e capaz de trazer a paz, a segurança e de fazê-los felizes. Assim como eu, descubram um mundo novo, lindo, e NORMAL.

“Meu aprendizado foi entender o real sentido da palavra respeito”
Valquiria Aparecida Loureiro, 46 anos, mãe de Victor Yoshimi

“Me esforcei para chamar pelo nome social, pois sabia que era importante para ele”

“Desde pequeno o Victor sempre demonstrou interesse por tudo que era masculino, roupas, sapatos, brinquedos, os melhores amigos eram meninos… Nunca foi recriminado por isso, jamais impus a ele que se comportasse como menina… Mostrava as opções e ele decidia. Na adolescência ele se assumiu lésbica, e foi só uma questão de adaptação. Sempre acolhi e recebi as namoradas dele com todo respeito e carinho. Tenho até hoje amizade com a maioria delas, que foram muitas.

O tempo foi passando e ele estava cada vez mais masculino nos trejeitos, nas vestimentas, mas também insatisfeito com algo que não sabia explicar. Por várias vezes temi a depressão. Mas foi a cerca de três anos atrás que ele me disse que havia se encontrado de verdade e que era um homem trans. Eu não fazia ideia do que era isso, e ele me explicou tudo. Fui pesquisar, passei a me interessar pelo assunto e descobri um mundo à parte!

Não fiquei chocada, na verdade só preocupada com os tratamentos hormonais, cirurgia , enfim… Mais um capítulo estava sendo escrito na história de vida do meu filho. E o meu aprendizado foi entender o real sentido da palavra respeito. O mais difícil foi conseguir chamá-lo pelo nome social… Demorou uns meses, dei umas vaciladas, mas me esforcei bastante pois sentia que era importante para ele.

Victor é um filho carinhoso, respeitador, amigo, humilde, compreensivo e sedutor. Mas a principal qualidade é cozinhar muito bem. E é na cozinha que colocamos o papo em dia, nos aproximamos, resolvamos os problemas, trocamos ideias, cozinhamos juntos. Aliás, adoramos receber amigos para jantar. Hoje, ele está casado com a Lea, minha nora linda, que também é trans! Estou super feliz com o relacionamento, pois eles são pessoas do bem, e é disso que precisamos!

Dica aos pais de filhos trans? Fechem os olhos e lembrem-se do dia em que receberam a notícia de que estavam grávidos! A sensação, emoção que tomou conta de vocês! Era muito amor envolvido, muitos planos…. E na hora do nascimento vocês tiveram a certeza de que não existia amor maior! Por isso eu peço que não deixem a identidade de gênero do seu filho reduzir esse amor. O amor de mãe é aquele que acolhe, mima, pega no colo e dá puxões de orelha. Mas acima de tudo aceita o filho do jeito que Deus nos deu. Procurem ler, se informar, conversar com outros pais que já passaram pela mesma situação, as ideias irão clarear.

Jamais maltrate seu filho, xingue, ofenda, agridam e não deixem que o façam! Seu filho precisa de vocês! Ame-o sem vergonha, livre-se dos preconceitos, enfrente a sociedade e exerça o seu real papel, sejam pais e mães!!! O mundo já tem violência demais, vamos amar nossos filhos! Minha maior preocupação é a violência que nossos filhos enfrentam, a transfobia que virou moda, a falta de apoio do judiciário em reconhecer esses casos e enquadrá-los como crime e se fazer justiça! Choro com as mães que perdem seus filhos, e que não são poucas! Por isso você que tem o seu filho perto de você, abrace, ame com toda sua força!

“Fui me orientar para que tudo fosse o mais natural possível”
Regina Augusta Rui, 56 anos, mãe de Wallace Ruy

“Somos muito ligadas, coisa de alma mesmo”

“Eu não sabia o que era mulher trans até os 18 anos da Wallace, quando ela foi para a faculdade e a vestimenta foi mudando aos poucos. Nunca nem tinha ouvido essa palavra. Trans para mim era algo muito novo. Mas não tive problema quanto a aceitação. Foi tudo muito natural, talvez por conta do nosso amor. Somos muito ligadas, coisa de alma mesmo.

Quando soube, fui orientando ela nas vestimentas, nos cabelos (risos), já que sempre cuidei do visual dela. Sempre com muito carinho, também fui me orientando para que tudo fosse o mais natural possível. Afinal, filhas trans são filhas, seres humanos e temos que amá-las, simples assim. 

Mesmo tendo vivido por anos longe dela, fui muito presente. É uma filha impecável, estudiosa e de um caráter que conheço poucos. Tudo que faz é puro estudo de uma visibilidade inabalável, vocabulário indiscutível, fé no universo e poder da luz. Eu e ela somos almas gêmeas, com certeza, sou capaz de sentir tudo o que ela sente. É incrível a nossa conexão.

Desde então, tenho tido muitos aprendizados. É maravilhoso aprender todos os dias com minha amada Wallace Ruy. Chega a ser engraçado. Sabe aquele ditado que a gente aprende com os pais? Eu aprendi com ela tudo que sei hoje. É por isso que digo que nós, pais e mães, também temos que ser inconformistas de todas e quaisquer abusos e brutalidades contra nossas filhas e filhos.

Esse ano passarei o Dia das Mães com minha amada filha”.

“Graças a Deus meu filho é trans”
Maria Aparecida da Silva, 51 anos, mãe do Kauan Fernando da Silva Gaspar

“Ele tomou hormônios por conta própria e teve um AVC. Fiquei sem chão”

“Graças a Deus meu filho é trans. Temos que agradecer por ter a oportunidade de ser mãe de trans, porque não é para qualquer uma não. Criar um filho trans é para mães fortes e com sabedoria. Mas nem sempre soube dessa palavra ‘trans’. 

Achava que tinha uma filha que gostava de mulher, o que para mim não era nenhum problema. Mas o tempo foi passando e Kauan ficou muito nervoso, irresponsável e não conseguimos conversar mais. Fiquei chateada, porque minha vida sempre foi ele. Foi quando ele teve o AVC, devidos aos hormônios que estava tomando por conta própria, e quase morreu.

Fiquei sem chão, entrei em desespero e fiquei procurando ajuda de psicólogos. Uma neurologista falou que existia um tratamento para esse caso, foi então que fomos atrás. Se soubesse antes teria ajudado há muito tempo.

Depois, ele se tornou outra pessoa, sobretudo depois da cirurgia que masculiniza o peitoral. Ficou muito mais feliz, com a autoestima elevada, está cuidando da minha mãe enquanto estou trabalhando. Kauan é muito carinhoso, se preocupa comigo e me ajuda a resolver meus problemas.

Como toda família, tivemos que ir adaptando com a nova identidade do Kauan. Minha mãe, a avó dele, fala direitinho o nome dele e, quando erra, diz: ‘Me desculpa, Kauan, é que eu esqueço’. Hoje, faço parte do Mães Pela Diversidade, que me ajudou muito. Posso dizer que sou uma mãe plenamente realizada e feliz com meu filho. Se Deus quiser vamos preparar um lindo almoço de família com ele junto”.

“O importante foi acolher e dizer que não soltaria da mão dele”
Solange Martins Meira Damico, 45 anos, mãe de João Felipe Meira Damico

“Se você não proteger seus filhos, o mundo não vai proteger”

“Quando João tinha 14 anos, entrei no banheiro e ele estava chorando e olhando no espelho. A princípio, eu achava que meu filho era uma menina que gostava de meninas, mas com o passar do tempo vi que não era isso. Naquele dia, perguntei: ‘Por que você está chorando tanto assim?’. E ele disse: ‘Não me sinto uma menina, eu me sinto homem, gosto de ser homem. Falei simplesmente: ‘engole esse choro, levanta essa cabeça, porque você não deve satisfação para ninguém. E pronto, a partir de hoje você vai ser menino”.

Perguntei: ‘Qual é o nome que você quer?’. Ele falou João Felipe. E curiosamente Felipe é o nome que eu chamava ele desde o ventre. Não me importei com o que os outros poderiam pensar e não entendia nada sobre ser trans. O importante naquele momento era acolhê-lo, dizer que estamos juntos e que não iria soltar da mão dele. E é assim até hoje.

Meu filho é companheiro, amigo, trabalhador, honrado e somos um o alicerce do outro. Ser mãe do João é uma dádiva, é um presente. Se ele fosse diferente do que é, eu devolveria porque veio com defeito de fábrica (risos). O que quero dizer é que não quero que ele perca a essência. Só é doloroso quando vejo exemplo de filhos que são açoitados e assassinados nas ruas. Porque ninguém pediu para ser assim, porque ser LGBT não é crime e não é defeito. Anormal é quem pensa diferente.

Digo para os pais de filhos LGBTs que abracem seus filhos, deem amor, carinho e proteção. Porque se você não protegê-los, o mundo não vai proteger. E se você der tudo isso, pode ter certeza que ele vai ser grato pelo resto da vida. Feliz dias das Mães, em especial às mães que assim como eu tem o privilégio de ter filhos LGBTs”.

“É seu filho e você só tem que amar”
Vera Farias, 48 anos, mãe do Johi Farias

“Ele sabe ser meigo e ao mesmo tempo forte quando preciso”

“Johi se descobriu por meio de um documentário e pediu para que eu assistisse também. Tudo começou a fazer sentido. No começo, eu achava que ele só gostava de meninas, mas ele ficava muito irritado quando perguntava se era lésbica. Ele dizia: ‘não’. Como eu não tinha ideia do que era ser trans, eu achava que ele estava mentindo. Após esse documentário, começamos a nos entender.

Sempre dei acolhimento e jamais em hipótese alguma pensei em por meu filho para fora. Ele é meu, foi Deus quem me deu de presente. E Johi é amoroso, preocupado com as pessoas, gosta de ajudar, é honesto e, para mim, o principal: sei que ele também me ama. Tive problemas em minha vida e, mesmo ele sendo prejudicado, ele está mostrando o braço forte e o coração puro para mim. Ele sabe ser meigo, mas também sabe ser forte quando preciso.

Acho que quando os pais dizem ‘Meu filho é trans, e agora?’, eles estão dizendo que querem entender seu filho. Porque de repente alguém diz que aquele médico que fez seu parto é doido e que você não tem uma filha, mas um filho e você quer entender. Tudo fica confuso, mas os pais na sua sabedoria e obediência à Deus de amar o seu próximo vão entender que não é uma maldição. É apenas seu filho ou filha e que você só tem que amar.

As pessoas sempre dizem: ‘Filhos, aproveitem seus pais, pois depois que perderem já era’. Mas eu digo: ‘Pais, aproveitem e amem seus filhos incondicionalmente enquanto vocês os têm, pois se os perderem vão sofrer muito’. Para mim, a experiência de ser mãe de um homem trans é deixar de ter preconceitos e saber que meu Johi é lindo, é maravilhoso e que gostaria que outras mães de filhos e filhas trans entendessem isso.

“Eu estou feliz se ela está feliz”
Vera Lúcia de Oliveira Roriz, mãe da Ana Victória

“Quando ela saiu de casa fiquei perdida”

“Minha filha mesma me explicou tudo sobre ser trans. Fiquei sabendo por ela, mas para a Ana Victória foi um pouco difícil contar, se desesperou, mas não tinha necessidade. É lógico que fiquei surpresa ao ouvir a notícia, mas sempre tive a cabeça aberta para todas as situações possíveis. Se ela está feliz eu também estou e respeito a vida dela.

Primeiro, ela veio contar que estava namorando o Ivan e eu quis conversar com ele, pois ele estava preocupado e eu senti que ele precisava saber que eu não era contra. Com o tempo, aprendi que quando queremos fazer algo que não fere a integridade de outras pessoas, podemos tudo. E que não temos que sequer aceitar aquilo que faz bem aos nossos filhos. Sempre disse: só não vou aceitar que roubem e que se envolvam com drogas.

Quando ela saiu de casa, fiquei perdida. Ela é a pessoa que me ouve, troca opiniões, é minha confidente. Minha filha é minha companheira, forte e é muito sensível. É coisa de outra vida, se é que me entende. Tenho muito orgulho dela em todos os aspectos. Aprendi, por exemplo, a ter mais segurança quando tenho que fazer alguma coisa que acho ser impossível.

Gostaria de dizer que gostaria de ser mais presente na vida dela e para meu genro que estamos prontas para acolhê-lo. Amo minha filha e meu genro. Neste Dia das Mães vamos passar juntas, sim, com muito amor envolvido.”.


“Parecia ser o começo de uma vida mais plena e menos sofrida”
Adriana Valadares Sampaio, 47 anos, mãe de Victor Valadares Summers

“Por meio dele, abracei causas que viviam latentes em mim”

“Em minha infância no RJ, havia uma mulher trans que morava próximo da minha casa. Aliás, referência de gentileza e educação. Mas não conhecia literatura ou teorias sobre transgeneridade. Victor foi quem me trouxe a questão ainda aos 16 anos. Depois de muitos anos de processos depressivos, ele conversou comigo sobre se sentir e se identificar como um rapaz. Imediatamente tudo pareceu fazer sentido, todo o comportamento dele desde pequeno.

Tive muito medo de como ele poderia ser atacado por terceiros, em como eu faria para protege-lo… Então resolvi ler, me aprofundar no tema. Eu não vi em momento algum, como negativo. Ele finalmente compreender seus processos internos e se entender como sujeito no mundo pareceria ser o começo de uma vida mais plena e menos sofrida.

Meu filho sempre foi uma pessoa forte e determinada. Eu tenho muito orgulho de quem ele é. Ele é empático, não se paralisa diante de problemas e injustiças. É comum sentarmos num café e perdermos a hora trocando ideias sobre variados temas e eu aprendo muito com ele.

Por meio dele, abracei causas que viviam latentes em mim, me posicionei de modo mais militante no feminismo, no ativismo por direitos animais e por causas LGBTs. Sempre que posso dou palestras, vou às rodas de conversa ou simplesmente armo o barraco defendendo alguma travesti ou alguém em situação de exposição ou chacota por ser LGBT. 

Vou passar o Dia das Mães com meus três filhos, mas particularmente não gosto dessas datas inventadas visando comércio. Por isso, troco presentes por programas culturais, por um bolinho com café e conversa jogada fora”.


Dica aos pais de filhos trans? Não me considero uma boa pessoa para orientar pais no processo de aceitação. Isso me colocaria numa posição de ‘modelo’ e as pessoas têm vivências distintas e camadas de subjetividades só suas. Mas basicamente diria duas coisas: busque conhecimento. É muito fácil demonizar o que não conhecemos. Nossos filhos não precisam ser ou seguir o que queremos ou esperamos deles. Eles são indivíduos, não nossas extensões e muito menos ‘coisas’ nossas. E outra é deixar o afeto prevalecer. A alteridade de gênero (ou a indefinição) não destitui o filho da categoria de filho. Para onde vai o afeto que sempre se explicitou? Para onde vai o amor delicado? Você ama seu filho enquanto pessoa ou enquanto expectativa? Simplesmente ame.

Por fim, eu gostaria de dizer aos pais que se apoiam em religiões para se defenderem e não aceitarem seus filhos, que vocês não são nem de longe, pessoas religiosas. Livros sagrados foram escritos por humanos, notadamente homens que propagavam o ideal machista patriarcal de “normalidade”. Toda leitura deve ser cuidadosa e levar em conta a época e a cultura do período em que foi escrita. Não vale fazer leitura seletiva. Citar o antigo testamento para condenar relacionamentos homoafetivos mas comer mariscos e usar dois tecidos diferentes na mesma vestimenta, é hipocrisia. Isso não é religiosidade. É usar a religião como escudo para esconder seu medo e seu ódio. Seu lugar não é numa igreja, mas num divã”.

“Me tornei uma Mãe pela Diversidade e ganhei vários filhos”
Paula Ramos, 47 anos, mãe do Dylan Belo

“Ainda acostumando que tenho um belo rapaz em casa agora”

“O processo de transformação do Dylan foi confuso para mim, porque não conhecia o que era ser homem trans. Para mim ou era hétero ou lésbica (risos). Sem nenhum problema em ser lésbica, pois sempre tive a cabeça aberta e vivi rodeada de amigos gays e há muitas pessoas na família. Mas ser trans me soava novo.

Quando ele chegou e disse que estava no corpo errado e que estava muito mal, achei que estivesse passando por algum problema psicológico. Pois percebia atitudes de depressão e isolamento. Buscamos ajuda, mas nenhum profissional entendia o caso. A relação ficou bastante complicada, porque não conseguia aceitar e, de quebra, era hostilizada pelo mesmo por trata-lo pelo feminino e não o ajudar.

Eu sofria de ver o sofrimento e isso estava acabando comigo. Não dormia mais e perdi o foco no trabalho. Não sabia o que fazer. Só sabia que precisava fazer algo, que não poderia ficar parada esperando algo de pior acontecer. Tinha medo que se matasse, que algo acontecesse nas ruas ou de perder para o mundo. Foi quando através de uma amiga conheci o coletivo Mães Pela Diversidade. Foi enviado por Deus.

Nele conheci pessoas que me entendiam e que passavam pela mesma história e pude entender, compartilhar. Eu não estava mais sozinha. Hoje, eu aceito e busco entender e ajuda-lo. Ainda vivendo o luto pela transição e acostumando que eu tenho um belo rapaz em casa agora. Mas continua sendo aquele ser que eu gerei com muito amor e alegria. Uma pessoa carinhosa, cuidadosa, que tem um coração enorme com muito amor para dar. E que estava me pedindo socorro. Agora, estou aqui do lado dele para o que der e vier.

Estou aqui para amar, proteger e cuidar, como ele fez comigo quando fiz uma cirurgia de grande porte e cuidou de mim, como se eu fosse sua filha. Hoje até me surpreendo porque me vejo militante da causa. Sou uma mãe pela diversidade e me vejo na obrigação de lutar por um mundo melhor, onde ele possa viver dignamente com respeito das pessoas. Porque não quero que o machuquem e que nada de mal lhe aconteça. É meu filho e ninguém toca. Agora, ganhei vários filhos pela diversidade. Muitos deles com a carência do abandono dos seus pais.

Recadinho para os pais: Busquem entender seus filhos. Busquem ajuda, não desistam deles, não permita que o mundo lá fora corrompa a essência deles. Saiam da caixinha. Eles precisam ainda mais de nós. Se vocês estiveram juntos, e vai fazer com que eles se sintam mais fortes e mais felizes. E tudo que os pais sonham para seus filhos é isso, não é?”