O boxeador norte-americano Pat “Cacahuate” Manuel, de 34 anos, fez história na noite de sábado (09) ao se tornar o primeiro homem trans a lutar em uma competição profissional nos EUA com um homem cis, Hugo Aguilar. E, sim, para a surpresa de quem duvidava, Pat venceu a competição que ocorreu na Califórnia.
Quando chegou ao ringue, Pat chegou a escutar algumas vaias do público Mas não se abalou. Sobre o momento, ele disse que “ouviu que alguns fãs não estão felizes”, mas que “tudo bem”. “Vou voltar e fazê-los felizes”, declarou.
Durante a luta, o boxeador declarou que seu oponente o respeitou no ringue e que não o tratou com diferença por ser um homem trans. “Tiro meu chapéu para ele. Ele veio para lutar. Ele estava lutando comigo o tempo todo. Ele lutou comigo como homem e eu tenho muito respeito por ele”, declarou. A vitória foi por decisão unânimo do Fantasy Springs Casino.
Após ser anunciado como campeão, Pat declarou que é engraçado ter sua primeira vitória ser considerada histórica pelo fato de viver a sua verdade. Mas o fato é que ele teve uma longa trajetória até chegar esse momento. Tanto quando ainda era lido como mulher e competia entre mulheres, quanto os dois anos em que esteve parado devido a lesões e a dificuldade de encontrar adversários.
“Eu só preciso dizer a todos que estiveram juntos nessa jornada por uns seis anos, muito obrigado”, disse Manuel. “Eu não poderia estar aqui sem você. Eu realmente precisava desse apoio para ajudar a me levar até este ponto … Há tantas pessoas que só queriam que eu estivesse aqui, e estou tão feliz que posso me apresentar para elas. Eu não estou aqui apenas para um show, mas para uma luta. Isso é algo que eu amo. Eu não terminei minha carreira neste esporte. Eu voltarei.”
TRAJETÓRIA
Manuel começou a competir em 2012, ainda quando era lido socialmente como mulher, nos Jogos Olímpicos dos EUA. Afastado com uma lesão no ombro, Manuel evitou dizer ao mundo que é homem trans por receio de perder sua carreira como boxeador.
Tudo mudou após falar sobre sua identidade de de gênero para a mãe. A resposta da matriarca Loretta sobre passar por uma transição de gênero não foi de surpresa, mas de alívio, como contou ao Los Angeles Times. “Pat sempre foi um homem”. Foi então que ele iniciou sua jornada trans.
“Eu originalmente comecei o boxe como atleta feminina como uma maneira de lidar com a disforia de gênero que eu estava sentindo. Na verdade, foi o boxe que me impediu de fazer a transição porque eu não sabia se seria capaz de continuar competindo se decidisse fazer uma transição médica. Uma vez que perdi os testes olímpicos de boxe e não tive boxe como distração, isso me fez realmente examinar o que eu queria como pessoa, não apenas como atleta”, declarou.
Quando quis voltar ao boxe há enquanto homem, Manuel encontrou algumas barreiras. A Comissão de Boxe do Estado da Califórnia rejeitou que ele lutasse, alegando que nunca havia tido um caso como o dele. Mas Manuel teve sua grande oportunidade (e a licença aprovada) quando o Comitê Olímpico decidiu antes das Olimpíadas do Rio, em 2016, que atletas trans poderiam competir.
Em 2016, ele teve a primeira luta, ganhando depois de três round. Na segunda luta, no final de 2016, ele perdeu. Logo depois, enfrentou outra lesão e ficou afastado. “Eu não sinto que praticar boxe sendo mulher é mais fácil que praticar sendo homem. Meu corpo mudou e eu também estava lutando em um nível de elite contra atletas do sexo feminino que não era fácil”, destacou.
Agora, ele retoma a competição em grande estilo. “Minha decisão de transição médica provavelmente foi a melhor decisão que já tomei. É óbvio que eu deveria fazer a transição. Em última análise, isso é para mim. Eu vou ser quem eu sou e vou continuar lutando”.
Como o esporte tem recebido seus atletas trans?
A vitória de Pat Manuel traz, além da importância de seu pioneirismo, a reflexão como atletas homens trans vem sendo tratados pelas competições profissionais. Segundo o professor de educação física, especialista em gênero e sexualidade, mestre em ciências da atividade física, Leonardo Peçanha, em recente entrevista ao NLUCON, homens trans atletas sofrem com a invisibilidade e descrédito dentro do esporte.
“É como se ele não fizesse diferença. As próprias exigências para pessoas trans competirem do COI dizem que homens trans podem competir em qualquer categoria. É como se ela dissesse que ele não tem legitimidade para competir com homens cis, que não fosse possível pudesse ganhar. Mas elas não conhecem os homens trans atletas que eu conheço”, declarou.
Leonardo diz que aguarda o dia em que homens trans começarem a bater o recorde de homens cis e qual será a reação frente ao preconceito que até então demarca a vida esportiva destes profissionais.
Confira o bate-papo completo abaixo: