Gabriela Monelli é o reflexo de um grito abafado, de uma conversa interrompida, de uma ferida de preconceito aberta. Aos 21 anos, a jovem trans – que era atuante nas redes sociais – cometeu suicídio por enforcamento no dia 9 de setembro de 2013, em Porto Ferreira, interior de São Paulo. Disse adeus à vida, aos sonhos, mas também às latentes dores que sentia diariamente pela transfobia no mercado de trabalho, nos olhares e apontamentos da sociedade transfóbica e na vida de prostituição. Poucos dias e algumas horas antes, Gabriela desabafou via Facebook com o namorado Lê Silva e com as amigas Thais Ribeiro e Aline Freitas, e alegou não suportar as pressões. “Eu estava bem e fiquei assim [depressiva]. Quero mudar de cidade, pois estou com problemas com os familiares, com os vizinhos, falta de oportunidade de serviço”. “Quando pensamos em suicídio, não queremos acabar com a vida, mas com a dor que ela nos faz passar. É a vontade de acabar com tudo”. Gabriela se prostituía desde os 15 anos e, logo nos primeiros relatos de seu blog pessoal, admitiu ter sentido raiva, nojo e a vontade de se livrar da experiência de programas. “Cabisbaixa, voltei para a casa limpando as marcas deixadas em meu corpo e as lágrimas. Apesar de tudo, decidi meu destino, não iria desistir, não antes de conseguir uma boa grana e ter oportunidades melhores”.
Até os 21 anos, persistiu, foi em busca dos seus sonhos, tornou-se uma bela e inteligente trans. “Gabriela era madura e sempre tinha algo a ensinar, inclusive ajudando em minhas crises. Ela também compartilhava as tentativas de suicídio e o repúdio que tinha com a vida de prostituta. Há algumas semanas, me procurou, disse que tentou se matar, mas que não conseguiu. Pedi para ela só fazer coisas boas, que a fizessem bem”, declara Aline. “Ela passou daquela semana, mas não da seguinte”, lamenta.
A amiga conta que, embora a jovem fizesse um curso técnico de farmácia, ela não via perspectiva de mudanças e nem de entrar no mercado formal de trabalho, após concluir o curso. “Nunca vamos ser 100%, sempre vão perceber”, dizia a jovem, reproduzindo o dilema de não se aceitar. “O que mais a entristecia era o fato de não ser aceita na sociedade por ser trans e a falta de oportunidade no trabalho”, declara o namorado ao NLucon. Gabriela temia ficar para sempre à margem, não ter controle ou respeito daquilo que gostaria de ser, de atuar e dos caminhos que gostaria de percorrer com tranquilidade e leveza. Sentia acima de tudo o fardo de ter que transitar pela sociedade como se fosse uma eterna loucura. Com depressão, dor, tristeza e angústia frente ao preconceito, se jogou com o desejo de acabar com tudo. Acabou com os seus problemas, mas fez refletir todos os da sociedade
A VIDA, A ESCOLHA E O SUICÍDIO
O desfecho de Gabriela surpreendeu os amigos, leitores e familiares, mas levantou uma questão comum na comunidade trans: o suicídio frente às pressões, marginalização e falta de oportunidades. “Qual trans nunca pensou em se matar uma vez na vida?”, defendeu uma integrante da comunidade “Hormônios para transgêneros”. “Acho que 95% das trans já pensaram em suicídio. Eu pelo menos já pensei, pois é muito complicada a nossa vida, tem que ter cabeça e punho forte”, defendeu Catarina M.
“Eu tenho essas crises de suicídio e, olha, é terrível. Só Deus para me segurar”, admitiu Gisele A. Verônica Scheiffer declarou: “Há alguns meses, pela primeira vez, pensei e tentei suicídio […] Quando alguém sofrer e pensar nisso, lembre-se que amanhã você vai pensar diferente e que é preciso buscar tratamento”. Aryelly comentou: “Já pensei em fazer isso por conta da minha família, que me discriminava e quando me chamavam de aberração na rua”.
Em 2005, outro caso de suicídio chocou o grupo trans. Camilla de Castro, que fazia sucesso no programa Superpop, da RedeTV!, com o quadro “Camilla Quer Casar”, escreveu um depoimento pouco antes de se jogar do apartamento em que dizia sofrer por ser desejada apenas entre quatro paredes, mas nunca em público. “Disseram que não existe amor para as travestis e que os homens nos viam como privadas humanas, onde descarregavam os seus desejos mais loucos sem sequer olhar para trás”.
Pesquisas como as da Universidade de Columbia nos Estados Unido informam que o índice de suicídio é cinco vezes mais frequente entre os LGBTs. E que o convívio social exerce muita influência e podem motivar atos extremos. No mundo trans, os noticiários pipocam na internet e as questões envolvem a falta de reconhecimento à identidade feminina, a falta de referências positivas e ausência de politicas públicas que realmente integrem com respeito à sociedade. Até porque, embora a prostituição seja um trabalho digno e que merece ser legalizado [para evitar explorações], nem todas as trans tem vocação para trabalhar neste ramo. Ou seja, a prostituição tem que ser uma opção entre tantas outras e não um estigma. Também já passou da hora de a sociedade respeitar a identidade de gênero e observar uma trans como uma figura legítima, VIVA e não como alguém que quer se passar pelo que não é e que deve ser escondida. Até porque todos devem ter o direito de viver com liberdade, visibilidade, respeito e reais oportunidades.
Apesar de falarmos de suicídio, Gabriela não se matou sozinha. Foi morta pela cultura da transfobia…
.