Por Neto Lucon
Durante os dois primeiros anos em que o fotógrafo e homem trans Gael Benitez passou pela hormonioterapia, ele esteve diante de uma câmera. Os momentos desse processo de transição ou adequação de identidade de gênero compõem algumas das histórias do mais novo filme do diretor Cao Guimarães, Espera.
Em formato documentário, a obra estreia no 23º Festival Internacional de Documentários É Tudo Verdade no sábado (14), em São Paulo, e no domingo (15), no Rio de Janeiro. O festival é fundado de dirigido pelo crítico Amir Labaki e mostra o melhor da safra do documentário brasileiro e internacional.
“Espera” aborda como diversas pessoas lidam e são afetadas por este fluxo temporal projetado para o futuro, bem como um artista antes de entrar no palco, uma pessoa na espera do sono ou uma pessoa trans durante o processo de hormonioterapia. Sobretudo reflete esses momentos num mundo condicionado ao preenchimento da satisfação imediata e de utilidade.
As cenas foram filmadas em Minas Gerais, Goiás, São Paulo e Rio da Prata (Uruguai e Argentina), e evidenciam o que é de expressivo e singular nestes momentos para cada um dos personagens.
“A espera é uma escultura temporal projetada para o futuro e quem espera tem que irremediavelmente lidar com sua forma… ou desistir. O que acontece hoje é que estamos cada vez mais desacostumados a encarar esta forma, a forma de um tempo “morto”, a forma do vazio, da infuncionalidade, da inutilidade. Hoje tudo tem que nos transmitir a sensação de preenchimento, de satisfação imediata, de utilidade”, reflete o diretor.
A carreira de Cao atravessa o cinema e as artes plástica, com exposições em museus de todo o mundo. No cinema, realizou nove longa-metragens: bem como o Homem das Multidões (2013), Otto (2012), Elvira Loraly Alma de Dragón (2012) e Ex Isto (2010).
VISIBILIDADE TRANS
O tempo de espera de Gael começa logo no início de sua hormonização com testosterona. Elas passam pelas mudanças que começam a aparecer em seu corpo e também faz aglutinar a angústia diante da expectativa para que elas finalmente aconteçam. Ele aborda também as dificuldades enfrentadas em uma sociedade transfóbica e nada inclusiva à população trans.
“O cinema ainda é um lugar que a representatividade de homens trans é quase zero. Ter um filme que mostre uma dessas vivências de forma tão crua, real e não estigmatizada, muitas das vezes pelo olhar do próprio indivíduo é extremamente importante, principalmente como forma de visibilidade para levar essa realidade para pessoas que desconhecem”, diz o fotógrafo.
Ao NLUCON, Gael conta que as suas cenas foram gravadas pela equipe do filme, mas que também trazem filmagens que ele mesmo já havia feito. Eram vídeos diários, mostrando as mudanças físicas, comentando o que sentia em uma perspectiva subjetiva dos sentimentos. Quando o diretor foi conhecê-lo para a pesquisa do filme, se surpreendeu com o material e um teaser que Gael pretende utilizar para um documentário próprio..
“O Cao gostou muito e a ideia era utilizar parte destas imagens e parte das filmagens que eles fizeram de mim ano passado… Eu tinha consciência de que documentar esse meu processo seria muito importante pra mim, tanto como documento pra esse projeto futuro, tanto como uma ferramenta de reflexão sobre o que estava acontecendo comigo, eu já fazia isso com a fotografia, e foi da mesma forma com os vídeos”.
O fotógrafo diz que o olhar de uma pessoa trans também por trás das câmeras trazem reflexões singulares e elementos que talvez não fossem notados por outras pessoas, bem como o espelho, o binder, a nudez e eventos do cotidiano. “Fazendo essas filmagens me obrigava a observar as mudanças de uma forma mais crítica e reflexiva e tender os momentos ruins e bons. Fui meu próprio objeto de estudo e isso fica evidente no filme. É meu olhar sobre eu mesmo, eu tô completamente cru na tela, me abri completamente, é muito real”.
O filme contou com recursos do edital Prodecine 5 – Inovação de Linguagem, viabilizado pelo Banco Regional do Desenvolvimento, Fundo Setorial Audiovisual e Agência Nacional de Cinema. Ele foi produzido pela empresa produtora de arte contemporânea de cinema “88 Art Cinema”.
Ficou curioso/a/e de assistir? Confira a programação abaixo:
23º É Tudo Verdade | Competição Brasileira de Longas-Metragens
14/04 – 19H00 – São Paulo – Instituto Moreira Salles (Av. Paulista, 2424) 14/04 – 21H00 – São Paulo – Instituto Moreira Salles (Av. Paulista, 2424) 15/04 – 18H00 – Rio de Janeiro – Estação NET Botafogo (Rua Voluntários da Patria, 88) 17/04 – 14H00 – Rio de Janeiro – Instituto Moreira Salles (Rua Marquês de São Vicente, 476) sessão com recursos de acessibilidade 20/04 – 11H00 – São Paulo – Sesc 24 de Maio (Rua 24 de Maio, 109) sessão com recursos de acessibilidade 20/04 – 13H00 – São Paulo – Sesc 24 de Maio (Rua 24 de Maio, 109) sessão com recursos de acessibilidade- legenda descritiva