Por Neto LuconFotos: Neto Lucon e Rafael Sant’s
Revisão: Michel Protazio
O ator Leo Moreira Sá – considerado o 1º ator homem trans do país – acaba de assinar mais um trabalho na TV paga. A série da HBO, cujo nome ainda não pode ser revelado por questões contratuais, mas que está em sua quarta temporada, aborda a vida de um homem trans que tem relação direta com uma das personagens centrais.
“Trará uma questão importante e que vai dar visibilidade e espaço à nossa comunidade. Não é um mero coadjuvante. É um personagem com força, que traz uma história”, diz ele ao NLUCON, ressaltando que as gravações começaram na segunda-feira (13) e sem previsão de término. E que ficará pelo menos 50% no ar.
O ator, que já deu vida a um personagem cisgênero, diz que tem preferências por papéis de personagens trans para dar visibilidade para esta população. “Sou um ator, performer e ativista. Então sempre vou falar da questão da transexualidade. E, por ser um ator trans, talvez um dos poucos, sou sempre requisitado para esses papéis no teatro e na TV paga”, defende.
Esta é a terceira série da TV paga em que Léo atua. A primeira foi em Psi!, da HBO, em que vive um homem trans em busca do reconhecimento de seu nome na Justiça. Pelos elogios que recebeu, foi chamado para a série A Lei, no canal Space, em que interpreta um malandro carismático cisgênero. A série vai estrear em março e está cheia de mistérios.
CADÊ ATORES HOMENS TRANS?
Falar sobre trans está em evidência. Mas se na TV fechada e no teatro o assunto faz sucesso, Leo ainda não encontrou uma real oportunidade, senão numa entrevista a Marília Gabriela, no SBT, na TV Aberta ou na sétima arte até o momento. Alguns produtores e diretores dizem: “Queremos, mas cadê os atores e atrizes trans?”, ecoando a pergunta de quem mantém os olhos fechados para as possibilidades óbvias de representatividade.
Leo, por exemplo, é considerado o primeiro ator homem trans – assim como há outros em início de formação. No teatro, onde foi descoberto, esteve em Hipóteses para o Amor e a Verdade, na pele de um “Homem-Bomba”, seguido de Cabaret Stravaganza, do grupo Satyros. Ganhou o prêmio Shell de Teatro de 2011 ao lado de Rodolfo Garcia Vázquez. Em 2013, encarou o desafio de contar as suas vivências em Lou e Leo, dirigido por Nelson Baskerville. A peça ainda hoje corre esporadicamente pelo país.
Pelo que o NLUCON pode assistir, trata-se de um ator cheio de energia, que se dedica e que emociona ao revelar as suas histórias e também as dos outros. Com oito anos de carreira – isso sem contar nos tempos em que fazia sucesso nos anos 80 com a banda de rock As Mercenárias, antes da transição – e ainda não há nenhuma previsão de atingir o grande público na TV aberta. Nada, nenhum convite.
“A televisão paga está abrindo as portas. Começou lá fora, com a Laverne Cox (que esteve na série Orange is the New Black e Doubt), com a Jamie Clayton (Sense8). Aqui há uma abertura na TV Paga, mas na TV aberta as pessoas teimam em contratar atores cisgêneros para fazer personagens trans. Então é engraçado não terem me chamado ou não terem chamado outro ator trans para nada na TV aberta. Não só eu, como tantas atrizes trans incríveis”.
O NLUCON listou e temos mais de 50 atores e atrizes trans, em diversas faixas etárias e tempo de carreira.
FORÇA DO QUERER
A nova novela da TV Globo “A Força do Querer”, de Gloria Perez, vai abordar o tema trans. Na trama, ela convocou a atriz cisgênero Caroline Duarte para interpretar um homem trans. A justificativa é de que pretende mostrar o personagem antes da transição de gênero e seria muito complicado mostrar um ator homem trans que já passou pela transição de gênero.
Gloria promete incluir outras atrizes quando o personagem começar a questionar sua identidade. Talvez sejam as tradicionais participações.
Para Leo a escolha de atores ou atrizes cis para interpretarem trans é “complicada” no atual momento, em que a militância e os artistas pedem representatividade. A primeira é que vai reforçar o estigma de que o homem trans não é um homem, mas uma mulher. “Fico temeroso pelo que pode acontecer, apesar de acreditar muito na Glória. Mas na minha visão é a mesma coisa que colocar uma atriz branca para fazer uma mulher negra. Essa fatia de mercado (personagens trans) deveria ser nossa por direito”, declarou.
Ele também rebate o discurso da autora de que “não é preciso ser um serial killer para interpretar um serial killer”. “Você não está falando de comportamento, mas de vivência. São coisas diferentes. Depois, seria interessante averiguar se não havia atores homens trans que não fizeram a transição ou que topassem se caracterizar. Se vão caracterizar a atriz de homem, porque não caracterizar o homem trans? Mesmo que não tivessem experiência, eles poderiam ser chamados, trabalhados e ter uma oportunidade. Isso acontece muito”.
Segundo ele, o produtor de elenco disse que tem o seu material gravado no arquivo da emissora, mas nunca o chamou. “A sensação que dá, primeiro, é que não viram meu trabalho e já me julgam e me desqualificam. Fico na dúvida: Sou um ator trans há oito anos, tenho currículo e surge uma novela que aborda o tema da transexualidade e eu não sou procurado? Talvez seja procurado depois como elenco de apoio, mas acho que a Gloria perdeu a oportunidade de colocar nós como protagonistas das nossas próprias histórias, dentro do elenco original e não em participações”.
Elenco de apoio? Recentemente, no filme A Gloria e a Graça a atriz cis Carolina Ferraz interpretou uma travesti protagonista, passando por toda a caracterização, e chamou atrizes trans como amigas de Gloria, como Carol Marra e a finada Majorie Marchi, como coadjuvantes. No filme Garota Dinamarquesa, o ator Eddie Redmayne interpreta a mulher trans Lili Elbe e chamou o ator trans Jake Graf para uma ponta.
Muitas vezes o nome de pessoas famosas ajudam a captar patrocínio. Em outros, talvez falte apenas a “força do querer”.
FALTA DE OPORTUNIDADE NO MERCADO DE TRABALHO
Para Léo, ausência na TV reflete falta de oportunidade de trabalho |
Para o ator, toda essa invisibilidade é uma expressão da realidade que ocorre fora das telinhas: falta de oportunidade de trabalho motivado pela transfobia.
“Nós não temos espaço no mercado formal de trabalho, então não vamos ter também espaço no mercado ‘formal’ televiso. Porque a TV paga é vista quase como algo alternativo, não passa para todo mundo. Então vamos estar sempre no subemprego, como profissionais do sexo ou como elenco de apoio. Podem encontrar justificativas, mas isso não ocorre por acaso”.
Nesta batalha, ele sente falta do apoio da comunidade LGBT ou das próprias pessoas trans, que dizem que o importante é “falar sobre o assunto, independente de quem representa”. “Precisamos acreditar mais nos nossos artistas trans, nos nossos talentos. Eu sinto falta disso. Na minha peça Lou e Leo, que ficou em cartaz um ano, a porcentagem de pessoas trans é mínima. A gente precisa apoiar a nossa luta e incentivar os nossos artistas. Seja no teatro, seja na TV paga, seja no cinema ou na TV aberta. Não temos o apoio de ninguém, que tenhamos pelo menos o nosso”.
Apesar das críticas, ele é otimista e acredita que com o tempo essa realidade vai mudar e que até mesmo a novela de Gloria Perez possa surpreender neste sentido. “Ao longo dos anos, ela tem levantado questões importantes, então quero acreditar que esta novela vai positivar a nossa comunidade”, afirma ele, com brilho nos olhos, enquanto se prepara para mais um dia de gravação da série da HBO.