A exposição fotográfica “Luana Muniz, a Rainha da Lapa”, obra histórica do fotógrafo Pedro Stephan sobre o ícone travesti Luana Muniz, voltará em cartaz todas as terças e sábados, das 11h às 18h, na Galeria Encontro do Artista, centro do Rio de Janeiro. A vernissage ocorre neste sábado (08), às 11h.
O ensaio ocorreu de 2006 a 2009, num período em que Luana ainda não era nacionalmente conhecida, tampouco referida como Rainha da Lapa ou a nova Madame Satã. Em entrevista ao NLUCON, Pedro recorda que Luana era referida a “traveCão encrenqueira”, que ficava sentada em um banquinho da avenida Mem de Sá, bairro boêmio no Rio, que trabalhava como profissional do sexo e cafetina.
O primeiro contato entre Luana e Stephan (aliás, era assim que ele era referenciado por Luana) ocorreu na festa Turma Ok, quando ele pode conferir os talentos de Luana em cima do palco. “Fotografei Luana no camarim, inclusive em uma parede com fotos de misses desde os anos 60, e na mesma hora que vi as fotos sabia: era ela. Cheguei a voltar para a Turma Ok, mas só encontrei Luana na pista. Falei que havia gostado das fotos e ela disse que gostaria de fazer outras. Respondi: vamos fazer agora. Ela topou e fizemos uma sessão ali mesmo”.
O fotógrafo conta que durante os cliques, com bate-cabelo pra lá e pra cá, eles foram surpreendidos e cercados por homens mal-encarados que tentaram o coagir. “Ela parou, colocou as mãos nas cadeiras e falou: ‘O que está acontecendo aqui? Vai passear todo mundo agora’. E os caras foram embora mesmo. Ela disse para mim: ‘Olha, nessa calçada você pode vir, fotografar, que eu te garanto (segurança). Fora daqui, põe sua câmera na mochila e pede um taxi’. Foi quando vi a Rainha da Lapa”.
Do contato que teve, Stephan revela que se emocionou diversas vezes, sobretudo quando Luana falava sobre sua trajetória. Nunca com pesar. “Tem uma foto em que ela mostra os vários cortes que teve no pulso. Na hora eu me emocionei e a foto até saiu um pouco embaçada. Isso ocorreu porque, quando ela era presa nos tempos de repressão, ela se cortava para ser levada ao hospital e não à delegacia. Luana fazia questão de dizer que era tudo, menos vítima. Já foi viciada, já ficou na sarjeta, daí largou o vício, voltou a se prostituir, era cafetina ao mesmo tempo em que era vista como uma mãe pelas meninas. Ela tinha essa garra de vencer e de lutar”.
TRAVESTI NÃO É BAGUNÇA
Pedro conta por meio do ensaio conseguiu sentir na pele a frase icônica de Luana “Travesti não é Bagunça”, seja durante os cliques ou depois ao tentar expor em uma grande galeria. “As pessoas se referiam a mim como ‘o Pedro, que fotografa travesti’, sempre soltando uma risada, como se isso fosse pequeno. Quando fui expor, as pessoas queriam que colocasse em um cantinho escondido lá da Lapa, pois era um trabalho marginal e que não merecia destaque. Mas eu queria que Luana fosse vista como uma obra que é por muito mais gente”.
A transfobia ocorreu até quando conseguiu um espaço luxuoso para a primeira exposição. “Um galerista superpoderoso e famoso disse: ‘Porra, que legal, é tudo meu, vai expor na minha galeria’. Mas ele tinha uma gerente muito careta, que disse ao ver o protótipo de como ficaria: Ninguém vai vir na exposição, ninguém vai ver a exposição, não vai vender e não vai dar em nada. É essa a expectativa que as pessoas têm de uma travesti, a de que é bagunça”.
Contudo, a exposição foi um sucesso na exposição, sendo levada para outros espaços e sendo expostas até mesmo em Portugal, no “Encontros da Imagem”, e em Braga e no “TurinPhoto Festival”, na Itália. “Daí isso se transforma em inveja: ‘o que essa bicha e essa travesti fizeram para dar certo?’ Essa bagunça que a Luana fala tem a ver com o desrespeito, com o menosprezo, com a desunião e a falta de cidadania. Quando ela diz que travesti não é bagunça, ela está dizendo que travesti não é cidadã de segunda classe, que não deve ser desrespeitada, jogada e atribuída à criminalidade”.
UMA TRAJETÓRIA DE SUCESSO
Pedro diz que é muito significativo ter acompanhado os diversos momentos de Luana desde a exposição. Tanto pela participação icônica no programa “Profissão Repórter”, em 2010, quando ficou conhecida pelo bordão “Travesti não é bagunça”, quanto pelo contato com o padre Fabio de Mello, que teve contato com Luana no aniversário de Alcione e, durante uma missa em 2015, reconheceu o preconceito na igreja e ressaltou os atos benevolentes de Luana em prol de pessoas sujeitas à vulnerabilidade social.
“No Profissão Repórter, fiquei impactado com a porrada que ela deu no cara. Achei que ela fosse virar um traste e que todo mundo ficaria com medo de uma travesti. O próprio Caco Barcellos foi covarde ao julgar a Luana e chama-la de covarde. Mas a relação das pessoas foi outra. Elas acharam o máximo. Foi uma atitude politicamente incorreta, mas que demonstrou que travesti não é bagunça. Achava muito interessante esse retorno que as pessoas davam sobre ela”, conta.
“Quando conheci Luana, ela era referenciada como “travecão encrenqueiro que comandava a Lapa e a prostituição. Quando fizemos as fotos e a exposição aconteceu, tanto no Brasil quanto em Portugal e na Itália, ela ficou conhecida como a Rainha da Lapa. Depois, com a exposição na mídia, ela mostrou que não é princesinha, é rainha. Que é malandra, que tem o lado legal, mas que não brinca com ela, pois ela é foda. Hoje, ela é referenciada como a segunda Madame Satã. É curioso retomar esse ensaio e ver que de ‘travecão’ ela conseguiu mostrar que foi uma pessoa que deu certo. Porque ela foi uma pessoa de sucesso. Ela se tornou um mito”, reflete.
SERVIÇO:
Exposição fotográfica “Luana Muniz, a Rainha da Lapa”
Galeria Encontro do Artista
Rua do Rosário, 38 – Centro – Rio de Janeiro/RJ
Vernissage: 8 de dezembro às 11h
Entrada gratuita: a partir de 8 de dezembro de 2018: terça a sábado, de 11h as 18h