Esposa de Apolo Pinheiro, a modelo Carol Nery falou pela primeira vez sobre a morte do cantor aos 29 anos em novembro de 2018, no Hospital do Servidor Público, em São Paulo. Desde a internação, muitos rumores, boatos e informações desencontradas circularam nas redes sociais e Carol elucida em entrevista ao NLUCON.
Segundo Carol, diferente dos rumores e especulações que surgiram, o diagnóstico de morte de Apolo não tem relação com a terapia hormonal com testosterona. O que consta no atestado de óbito é que ele foi diagnosticado com suspeita de encefalite viral, ocasionada por um vírus raro e ainda desconhecido.
“Os médicos chegaram a desconfiar que se tratava de uma trombose cerebral ocasionada pela hormonização. Mas eu levei uma pasta com todos os documentos referentes a terapia hormonal e a mastectomia, pois ele fazia tudo com acompanhamento médico, e entreguei para a equipe. Eles ficaram analisando um dia inteiro, fizeram exames, como a angiotomografia, mas não deu em nada. Eles descartaram essa hipótese e me deram a pasta ”, informou.
Vale destacar que há diversos casos envolvendo mortes de homens trans que são associados necessariamente à terapia hormonal – mesmo que haja outro diagnóstico. Houve especulação até mesmo na morte do escritor e militante João W. Nery em 2018. Ele foi diagnosticado com câncer no pulmão e no cérebro, e até revelou em entrevista que tinha um histórico de fumante. Houve diversas fake news associando o câncer à hormonização, que foram desmentidas por pessoas próximas.
É preciso ressaltar a histórica ausência de pesquisas envolvendo corpos trans e os processos de transição, que os tornam passíveis de especulações a atendimento pouco humanizado. Destacamos também o fato de grande parte da população trans não contar com atendimento multidisciplinar acessível, que a faz se automedicar e estar propícia a problemas de saúde. E a transfobia estrutural de sempre achar que de alguma forma a questão trans esteja necessariamente ligada com a morte, como se a própria pessoa fosse responsabilizada pelo seu fim.
Carol afirma que, mesmo informando o diagnóstico médico, muitas pessoas continuam associando a morte à hormonioterapia. “Infelizmente, tenho que ficar repetindo que o diagnóstico é outro e as pessoas ainda ficam incansáveis vezes dizendo que pode ser a terapia hormonal. Não foi”, frisa ela.
Assista o relato:
A INTERNAÇÃO
Na entrevista, Carol conta que tudo começou após uma viagem de Apolo de para Mato Grosso e Rondônia com o show de tributo a Cássia Eller e Nando Reis. No dia 20 de outubro ele começou a ter fortes dores de cabeça e passou 12 dias indo a hospitais de Brasília e São Paulo.
“Inicialmente eles davam um remédio na veia, um analgésico e mandavam pra casa. Fomos um neurologista, que desconfiou que se tratava de algum arbovírus, chicungunha, mas não era. As dores de Apolo eram muito grandes e ele apagava”, lembra. Até que no dia 2 de novembro Apolo ficou inconsciente e foi internado.
Dentro de 24 horas internado, Apolo foi retomando a consciencia. Ele passou por uma bateria de exames, que não acusavam nada de diferente. “As hipóteses diagnósticas eram meningoencefalite viral e neurotoxoplasmose e ele passou a ser tratado por essas hipóteses. Nesse tempo ele acabou pegando uma gastrite”, diz.
Carol frisa que todo o processo no hospital foi doloroso e que prefere não entrar em detalhes. Ela diz que Apolo sofreu algumas transfobias, como no dia em que um enfermeiro o chamou de “mulher meio homem” e rejeitou colocá-lo numa ala masculina. “Apolo segurou minha mão e pediu para eu não me estressar ainda mais com aquilo”.
No dia 6, a inflamação no cérebro aumentou e Apolo começou a ser medicado com morfina para controlar a dor. No dia 8, foi o último dia em que Carol falou com o cantor, antes dele realizar uma tomografia e ser levado para uma sala de emergência. “Apolo teve uma parada cardíaca e não voltou mais”.
No dia 9 de novembro, quando eles completaram dois dias de casados, o médico pediu para Carol tirar a aliança. “Eu entendi o resultado ali”. Carol se emociona ao lembrar que naquele momento cantou no ouvido do marido, mexeu no cabelo dele, deu um beijo e tirou a aliança. Com morte cerebral, Apolo ficou ainda seis dias ligado nos aparelhos. “Mas foi por uma questão burocrática, porque eles não conseguiam descobrir o diagnóstico”.
CAROL TAMBÉM FOI INTERNADA
Durante a internação e todo o nervosismo decorrente da situação, ela passou a sentir os mesmos sintomas de Apolo e também chegou a ser internada. “Cai fisicamente e pelos sintomas que eu estava sentindo”, conta ela, que realizou uma bateria de exames e, sem qualquer alteração, foi encaminhada para um psiquiatra.
“Ele disse que eu eu estava sugestionada, como uma gravidez psicológica. Como eu vi o Apolo sofrer demais, eu comecei a sofrer os mesmos sintomas. Eu achava que estava doente e até pouco tempo atrás eu fiquei achando que estava doente. Não adiantava os exames, os médicos e os meus amigos disserem que não”, lembra.
Hoje, Carol segue sem qualquer sintoma e entendeu que não está doente. Ela deixou São Paulo, onde morava com Apolo, e atualmente está morando em Olinda, Pernambuco.
DESPEDIDA
Mesmo com todo o desgaste e trauma do período da internação no hospital, Carol diz que teve ainda que lidar com o velório e enterro, no Cemitério Parque Jaraguá em São Paulo. Ela conta que foi um dos piores momentos de sua vida, mas que conseguiu realizar uma homenagem a Apolo.
“Por mais difícil que foi, a gente cantou (uma música de Cássia Eller e outra de Apolo, Mundo Cão), colocou a bandeira trans, o ukulele… E eu sei que apesar do momento ser muito triste, ele ficaria muito feliz com a homenagem”, diz. A música cantada tem ajudado Carol a seguir: “Ao mesmo tempo que me entristece aos poucos só me fortalece”.
“O começo (sem Apolo fisicamente) foi muito difícil, eu achava que ficaria louca. Mas entendi, não sei como, que se eu ficar indignada e lamentar muito seria ruim para ele seguir o ciclo. Eu quero falar dele com amor e alegria, pois foi isso que ele passou. Eu vou viver nossos planos e nunca vou me esquecer do Apolo. Ele é o amor de todas as minhas vidas”, finalizou.
Assista a história de amor de Carol e Apolo: