Aos 32 anos, Ícaro Silva vem fazendo o maior sucesso na novela das 19h “Verão 90”, da TV Globo. Ele é o cantor de lambada Ticiano, que conquista a todos com seu rebolado, seu carisma e sua beleza. Ele afirma ao Observatório da TV que tem gostado do personagem, sobretudo porque ele apresenta uma novidade nas novelas e papeis voltados a artistas negros.
“Ele é basicamente um galã preto, sem a justificativa da negritude, sem qualquer coisa que procure colocar ele num nicho específico. Ele só é um homem muito legal, interessante, divertido, talentoso e que está apaixonado por essa menina (Dandara) que, a princípio, não está a fim dele”, disse.
Ao jornal Extra, ele diz que outro trunfo do personagem é que “a gente não está acostumado a ver o preto em camadas que não sejam a do objeto sexual, a da virilidade. E Ticiano é inteligente, bem-sucedido, talentoso, explora e mistura o masculino e o feminino nele. Isso é não só prazeroso, mas fundamental. Precisamos de cada vez mais tipos assim na TV”.
Uma das características que procura trazer para o personagem é a baianidade e a afro-latinidade. “Essa ascendência afro-latina mesmo, que a gente é tão afro-latino no Brasil e fala pouco disso. Então as minhas referências são nesse sentido, (além) desses homens que não têm puder em rebolar. Esses homens que também estão desconstruídos nesse lugar machista do homem duro, que não rebola”.
Ícaro diz que tem se divertido muito com a novela e que recebe um feedback positivo do público. “A gente tem vibrado uma energia muito solar nessa novela e o país está um pouco indo pelo caminho contrário. A gente está muito nas sombras, então é bom poder falar disso e trazer essa energia para o público também”.
REPRESENTATIVIDADE E VOZ
Ao ser questionado como lida com o fato de ser uma referência para muitas pessoas, Ícaro diz que seu objetivo é dar voz para quem não tem voz. Ele afirma que há várias pessoas que atuam diariamente e diretamente em problemas cotidianos, e que talvez sejam mais representáveis, mas que ele procura contribuir com sua visibilidade.
“Tenho procurado dar voz para essas pessoas, porque o meu trabalho passa por um lugar de mídia. E é importante que a gente, que tem qualquer tipo de mídia, use as nossas vozes para se mobilizar. Porque a gente, estruturalmente falando, estamos muito prejudicados”.
Ele diz que a luta neste momento é para reestruturar as coisas no Brasil e que, ao dar voz, pode divulgar situações que muita gente sequer imagina. “Eu já fui uma delas e posso dizer que buraco é bem lá embaixo. Se você nasceu na classe média, você não tem nem ideia”.
“As pessoas mais pobres e de menos condições são mais trapaceadas no Brasil. A reforma da previdência agora está deixando isso claro”, pontua. “Mas de uma forma ou de outra, o importante é que nesse momento a gente comece a escutar cada vez mais as vozes que não são escutadas. Então quando você me pergunta sobre o que eu acho de ser uma referência, eu acho que referência é igual um farol, é um ‘venham por aqui, esse é o caminho’”.
ARTISTAS NEGROS E TV
Ícaro diz que a TV avançou ao escalar cada vez mais artistas negros ao longo dos anos, mas que está longe do ideal. “Quando você pensa na imagem da Xuxa e das 13 paquitas serem exclusivamente loira, na TV dos anos 80, você pensa num Brasil branco (…) Hoje temos várias figuras de outras etnias que trazem uma representatividade, a gente observa elas. Mas ainda não estão num lugar que represente culturalmente essa população”, defende.
Ele diz que a cultura brasileira, que veio da África, ainda não é valorizada. “Somos muitos afros na comida, somos muito afros na nossa arte, cultura popular nossos ritmos. Se a gente pensar em lambada, em rap, em samba, pagode, em todos os ritmos mais populares no Brasil. O funk. Eu acho que temos um caminho pela frente que estamos percorrendo. Mas, de qualquer maneira, tenho visto que existe cada vez mais voz. É preciso que a sociedade branca se organize nesse sentido também, de viabilizar o fim do racismo”.
“Não adianta uma pessoa branca perguntar para mim o que eu acho que ela tem que fazer para acabar com o racismo. Isso é um problema de todos os setores da sociedade. Então é preciso, principalmente nesse momento, que as pessoas não negras entendam que o racismo é uma luta dela e que é necessário que elas estejam. Nesse sentido, eu digo que é preciso que a gente tenha escritores, roteiristas, pensadores, diretores, criadores mesmo negros. E nesse sentido, a gente ainda está muito no início do caminho, mas seguimos diariamente”, defende.
Fique de olho: Verão 90 é escrita por Izabel de Oliveira, Paula Amaral e é exibida às 19h pela TV Globo.