Por Neto Lucon
O fisiculturista e treinador Juliano Ferreira, homem trans de 32 anos, irá participar neste sábado (30), a partir das 9h, da Competição Estadual de fisiculturismo na categoria masculina. Ela é realizada pela Federação Internacional de Fisiculturismo (IFBB – Rio), no Centro de Convenções Sul América, no Rio de Janeiro.
Juliano é o primeiro homem trans a ser federado e a disputar ao lado de homens cis na competição. A conquista surgiu por meio do contato com a presidenta da Federação, Débora Carvalho Sarinho, com quem conversou inicialmente por meio das redes sociais.
“Se ele é atleta, tem condições atléticas e competitivas, ele pode e deve competir com certeza na confederação com os outros homens. Independentemente de ser trans ou não”, declarou Debora ao NLUCON. “O esporte, além de proporcionar saúde e bem-estar, deve ser incentivado de todas as formas possíveis. Às vezes é um sonho do atleta subir ao palco. Nós não devemos impedir, mas incentivar”.
Na competição, o fisiculturismo julga a simetria corporal e estética, além ter categorias que avaliam apresentações individuais como as coreografias. O atleta, que fez cirurgia no peitoral no último ano, defende que não há nada que possa atrapalhar a disputa contra homens cis – nem mesmo as possíveis diferenças corporais. “Corpos de homens e mulheres, sendo trans ou cis, já são diferentes. Ninguém tem a mesma forma. Eu tive a sorte de Papai do Céu e consigo deixar meu corpo no páreo”, afirma.
Segundo Juliano, o pioneirismo trans é visto com muita tranquilidade. “Para mim é normal. Mais um desafio a ser cumprido como qualquer outra coisa na minha vida. Estou lá não porque sou homem trans, mas porque tenho capacidade para evoluir a cada competição e um dia poder competir fora do país também”, declara. Ele conta ainda que foi recebido de braços abertos no esporte.
TREINAMENTO, DIETA E SOFRIMENTO
Juliano explica que treina há muitos anos e que sempre levou com muita seriedade a musculação. Em 2017, chegou a participar de uma competição de fisiculturismo só para homens trans, vencendo em duas categorias: o primeiro lugar da categoria e overall com o melhor corpo.
Desde que entrou na Federação, os treinos se tornaram ainda mais intensos, bem como a dieta. Atualmente o atleta conta com patrocínio e uma equipe multidisciplinar, envolvendo médicos, treinadores, academia, roupa e suplementos.
“Tenho todo o suporte de atleta e tenho a sorte de que o Dr. Guilherme Almeida, que foi responsável pela minha terapia hormonal há quatro anos, trabalhe novamente comigo. Hoje, além da terapia hormonal, ele também faz minha dieta. Esse trabalho tem sido muito importante”, revela.
Juliano treina duas vezes ao dia, faz aeróbico em jejum e um aeróbico pós treino, só come o que ele mesmo cozinha e agora faz uma dieta restrita para a competição. “É muito sofrimento?”, pergunto. “Se eu falar que não estarei mentindo. É um esporte que mexe com o seu emocional, psicológico, mexe com tudo”, afirma.
Sobre as expectativas, ele admite que o objetivo de todos que competem é ficar em primeiro lugar, porém é a sua primeira competição com homens cis. “Só o fato de estar lá já me sinto campeão. Então qualquer colocação que eu tiver, mesmo que seja o último, já será válida para mim. Neste ano haverá ainda mais duas competições, as duas em setembro”.
ACIDENTE DE MOTO E NOVAS PERSPECTIVAS
No início deste ano, o atleta sofreu um grave acidente de moto, devido a imprudência do motorista. Além do susto e das marcas, Juliano teve que ficar de cama por cerca de 10 anos. Ele conta que, caso a competição ocorre naquele momento, seria complicado disputar.
Segundo Juliano, a vida saudável e alimentação ajudaram na recuperação. Do acidente ele tirou uma lição, que não relação com o corpo: viver a vida intensamente, ao lado das pessoas que ama, não ter medo demonstrar seus sentimentos e deixar o orgulho de lado. Ele conta que foi atrás de tudo que havia deixado para trás por imaturidade.
“Orgulho, ego, arrependimento, são sentimentos que tomamos por acharmos que o próximo nunca vai sentir o que a gente sente…o ser humano só dá valor quando ele perde! Eu perdi uma coisa na minha vida que ao sei se a vida vai me trazer novamente, se trouxer, eu serei o homem mais feliz do mundo e obviamente irei construir em cima do que já foi construído um amor maior ainda… Então, apenas AME!”
Nesta nova fase, ele diz que espera que sua presença no esporte possa estimular mais pessoas, sejam pessoas cis ou trans, a correrem atrás dos seus sonhos. “Todos nós podemos qualquer coisa na vida, basta querer. Às vezes sinto que as pessoas querem tudo muito mastigado, sem querer suar a camisa. É difícil para todo mundo, mas sem esforço não há glórias”.
Excelente competição!