Roberto Inácio, homem trans de 24 anos, realiza desde o último ano uma vakinha para tratar a anemia facilforme (SS). Trata-se de uma doença hereditária, genética, crônica e que é caracterizada pela alteração dos glóbulos vermelhos do sangue, tornando-os semelhantes e uma foice e ocasionando muitas dores pelo corpo.
O jovem conta que foi diagnosticado em 1996, quando tinha apenas um ano e meio de idade, e que passou grande parte de sua vida dentro de um hospital e sentindo dores.
“Essas dores são insuportáveis e aparecem de repente. Tenho que ir correndo ao Pronto Socorro, tomar remédio para dores e muitas vezes ser internado. Desde os 15 anos tenho que ser medicado com morfina ou metadona e já cheguei a tomar cerca de 20 bolsas de sangue”, revela ao NLUCON.
Ele conta que as idas ao PS são frequentes – “há períodos em que vou quase todos os dias da semana” – e geralmente é assistido pelo Sistema Único de Saúde. Ele revela que recentemente tem um plano de saúde, pago por sua família, mas que deixou e utilizá-lo após sofrer alguns episódios de transfobia e pelo medicação equivocada do hospital. Inclusive há um processo pela negação de respeito ao nome social.
Passando por dificuldades financeiras e com dificuldades de se inserir no mercado de trabalho, ele diz que encontra-se sem dinheiro para continuar com o tratamento, medicamentos e as contas do cotidiano. A última internação ocorreu em agosto pelo SUS, no Hospital São Luiz Gonzaga, quando ficou internado durante 20 dias.
Julia e Roberto em dois momentos
HOMEM TRANS E DESAFIOS
Natural de Palmas, Tocantins, Roberto está em São Paulo desde agosto de 2017. Ele afirma que desde sempre se identificou com o gênero masculino. E que com o tempo isso ficou cada vez mais visível, sendo exposto e absorvido de maneira natural. “As pessoas me tratavam no masculino sem eu pedir. Eu sabia que era aquilo, mas não conhecia ninguém mais como eu. Até que em 2014 eu entendi: Eu sou o Roberto e ponto”, disse.
Desde 2018, Roberto namora e mora com Julia Pereira, que é psicóloga e travesti de 30 anos. Eles se conheceram no aniversário de uma amiga e, após a festa “Me Chame Pelo Meu Nome”, em comemoração à decisão do SFT em retificar o prenome e gênero diretamente no cartório, sem a necessidade de laudos médicos ou ação judicial, ficaram juntos. Em março de 2018 decidiram dividir o teto.
Julia costuma acompanhar Roberto nas internações e diz que, para além dos problemas de saúde pela doença, eles enfrentam muita transfobia no atendimento médico. “Chegamos a entrar com a Defensoria Pública pelo atendimento transfóbico, em que o tratavam pelo nome de registro e se negavam a chamar pelo nome social. Quiseram até a colocá-lo na ala feminina alegando que ele estava sujeito a estupro. Fora que não davam o medicamento corretamente”, diz.
Ao comentar o atendimento privado, ela diz que um médico responsável se negou a medicar e que a enfermeira declarou que o trataria conforme os documentos. “Tivemos que chamar um advogado às três horas da manhã, que ligou para a polícia e abriu um boletim de ocorrência. Toda essa transfobia institucional piora as dores e agrava o quadro da saúde mental”, disse.
DEPRESSÃO E CIRURGIA
Além da anemia falciforme, Roberto conta que teve desgaste ósseo no fêmur e que terá que realizar uma cirurgia para colocar uma prótese. Ele também sofre com depressão, crise do pânico, ansiedade e ideação suicida – que seriam agravadas pelas fortes dores que sente.
“Eu não sei o que é um corpo sem dor. Tomo muitos medicamentos, que de alguma forma me deixam muito vulnerável e até com pensamentos suicidas. Já tentei algumas vezes e preciso de ajuda urgente. Do jeito que estou vivendo, eu me bato e choro”, diz.
Ele afirma que tem recebido a contribuição voluntária de uma pessoa para o pagamento das consultas particulares em um psiquiatra e que tem tido uma melhora consideração. “Antes do psiquiatra, eu não comia há semanas e estava em uma situação lamentável. Sinto que estou evoluindo”, declara.
Ao ser questionado sobre a hormoniterapia com testosterona, que realiza de 15 em 15 dias, o jovem explica que faz com acompanhamento médico e com uma bateria de exames – logo o tratamento é controlado e não implica ou agrava problemas de sua saúde. Vale informar que todos os casos devem ser avaliados especificamente por endocrinologistas, com preferência especializados em corpos de pessoas trans ou travestis. Não se submeta a automedicação.
Na internação de agosto de 2018 Relatório psiquiátrico que atesta que desrespeito a identidade de gênero causa problemas em saúde mental
AUXILIO DOENÇA E VAQUINHA
Homem trans e com uma doença crônica, Roberto afirma que encontra dificuldade e preconceito ao tentar se inserir no mercado de trabalho. Anteriormente ele trabalhou como vendedor de uma conhecida loja de óculos. “Hoje em dia é muito difícil encontrar emprego. Tanto por ser homem trans quanto por ter essa doença. Qual trabalho vai empregar alguém que a qualquer momento pode sentir dores e ser hospitalizado?”.
Atualmente, ele recebe um auxílio doença, mas declara que o valor de mil reais é insuficiente para se manter e pagar todo os tratamentos de saúde.
“Esse valor é pouco se pensarmos no valor dos medicamentos, que vai mais que a metade. Ainda temos as contas do dia a dia, como aluguel, luz, comida… Minha saúde está cada vez mais debilitada e não temos condições de arcar com tudo”, diz, salientando que a vaquinha seria para os gastos com os medicamentos e sua sobrevivência “minimamente com saúde”.
Ele continua: “Tomo cinco remédios psiquiátricos, fora as medicações para dor. Também faço o uso de maconha medicinal. Ela ajuda nas dores, custa cerca de 500 reais e dura um mês. Quando tenho as dores, tenho que sair de Uber, pois o desgaste da perna me impede de andar. Então sempre fico à mercê da ajuda de alguém. Gostaria de ter esse dinheiro para, quando ocorrer as dores, eu não ter que ligar para ninguém de madrugada pedindo ajuda. Gostaria de ter mais autonomia”, diz.
Julia afirma que começou a trabalhar na última semana e que espera que, com a ajuda da vaquinha, eles consigam se reorganizar. “A vida vai ser diferente, porque se ele tiver dores e eu estiver no trabalho, ele vai ter que ir sozinho. Então, a gente quer estabilizar a saúde dele e ter essa segurança. Ano passado foi um terror, mas esse ano estamos torcendo para que tudo isso seja mais estável. Somos um pelo outro”, finaliza.
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