Natasha Dumont fala sobre amores, velhice, Silvio Santos e 15 títulos de miss admin Fevereiro 12, 2019

Natasha Dumont fala sobre amores, velhice, Silvio Santos e 15 títulos de miss

Natasha foi eleita a travesti mais bonita do Brasil nos anos 90

Dona de cabelos escuros, olhar marcante e corpo escultural, Natasha Dumont é um ícone de beleza trans desde os anos 90. Vencedora de merecidos 15 concursos de miss – nacionais e internacionais – a bela marcou a televisão brasileira, foi considerada a travesti mais bonita do país e tornou-se inspiração para uma geração de travestis e transexuais.

Com talento para a arte e suingue latino, Natasha esteve no elenco dos mais importantes shows da noite LGBT e tomou conta do quadro de transformismo do Programa Silvio Santos, do SBT. Chegou a aparecer na tevê como Cleópatra (com os seios de fora) e como palhaço, dublando Vanusa.

Tanta beleza e sensualidade à flor da pele também abriram inevitavelmente as portas para o mercado erótico. Natasha foi a estrela de vários filmes, performances e apresentações. Nos últimos anos – no auge dos seus 40 anos – a bela faz apresentações em uma boate na Espanha e na Áustria.

E foi durante uma vinda ao Brasil, na festa Las Divas, promovida pela Terças Trans, que o NLucon esteve frente a frente desta grande referência. Natasha chega ao espaço sorrindo, encantando e fazendo altas e surpreendentes revelações. Abaixo, uma entrevista com uma diva:.


– Você é uma das figuras que permeiam o imaginário trans. Qual é o segredo para se manter tão bela até hoje?
.Olha, eu me cuido muitíssimo, procuro me atualizar a cada ano, mas acho que o principal segredo que me mantém até hoje é ter pessoas legais ao meu lado. Pessoas que me apoiam, incentivam, que estão comigo para o que der e vier. Afinal, nem sempre a gente está feliz ou animada. E eu preservo minhas amizades e as quero por toda a vida. O que posso dizer que tiro dessa vida é que as amizades são coisas mais importantes na carreira e na vida de uma trans.
– Conta como você se descobriu trans? .
Comecei bem cedo, aos 12 anos. Sempre quis ser mulher e sempre falei isso para a minha família. Me assumi aos 10, falei o que queria e eles tiveram aquela reação normal de toda família. Mas depois viram que não tinha mais jeito, que eu era feminina desde muito criança, que sabia o que queria e foi de boa… Não tinha jeito, eu brincava com tudo o que era de menina e roubava as roupas da minha mãe (risos). A primeira vez que me vesti totalmente foi para participar de um concurso da minha cidade, em Sorocaba [interior de São Paulo] e eu não tinha nem 15 anos. – Por falar em concurso. Você já foi vitoriosa em inúmeros deles. Ser miss também foi um sonho de criança?
Sempre gostei, assistia aos concursos de miss na TV e, quando era criança e adolescente, sonhava um dia ser miss também, carregar uma faixa, receber a gratificação das pessoas. Era um sonho e, depois que comecei a participar e por ventura ganhar, continuou sendo uma realização. Até hoje eu gosto deste evento e as pessoas sempre falaram que eu levava jeito. Foram ao todo quinze concursos vencidos.

– Quinze? A beleza abre portas?

Ai, a beleza ajuda bastante, mas vou te falar uma coisa. Se não tiver conteúdo, você não prevalece. Do mesmo jeito que a beleza te dá, ela te dirá. Você tem que ter muito mais que beleza para se firmar. Afinal, acontecer é fácil, permanecer é difícil. E eu já tenho bons anos de carreira…

“A beleza ajuda bastante, mas se você não tiver conteúdo não prevalece”

– Como se descobriu artista?

Sempre via o quadro de transformistas do Silvio Santos e ficava encantada quando via uma travesti bonita, feminina. Eu ficava passada e queria aquilo lá para mim. Comecei a fazer show na minha cidade e conheci a Silvetty [Montilla], que sempre ia fazer show lá. Falei que queria vir para São Paulo e ela me ajudou, marcando shows em alguns lugares. Daí eu vim, comecei com as apresentações, fiquei de vez e adorei.

– Você diz que se inspirou nas travestis e transformistas do Programa Silvio Santos, mas muitas trans da nova geração dizem que você foi a inspiração delas justamente neste quadro. Como foi participar?

Foi simplesmente maravilhoso, porque o meio de comunicação me levou para a casa dos brasileiros, ou seja, uma travesti. E, de certa forma, você passa a fazer parte daquela família. Durante a participação, recebi o carinho de crianças a idosos, homens e mulheres. Eu fico feliz quando as trans falam que servi de inspiração. Conheço muitas meninas na época de meninos e que hoje são travestis e transexuais belíssimas. Muitas já se operaram e ainda falam que se inspiram. Acho legal, é sinal de missão cumprida.

– Qual foi o melhor momento da sua carreira?

Foi o último concurso que ganhei na Suíça, o Miss Trans Diva, que só meninas lindas concorreram. Foi uma emoção única, pois concorri com Fabíola Nogueira, Amanda Marques, Marcinha do Corintho, que são trans belíssimas e muitas tailandesas. Foi em 2000 e até hoje sou chamada de diva por conta desse concurso.

– E como é ser uma diva?

Não me considero diva, nada disso. Se eu ficar me achando, posso me desiludir muito, porque essas coisas são passageiras. Nunca tive isso de me achar a melhor, a mais bonita, pois tem sempre alguém que pode superar e, se você ficar apegada a essas vaidades estéticas, vai se entristecer. Acho que a beleza ganha muito com a humildade também. Então, sempre fui simples e normal.

– O passar dos anos te preocupa?

Quando eu tinha 20 anos, morria de medo de ter 30, morria de medo de ficar velha. Depois que passei dos 30, achei normal. E agora que tenho 40 é tranquilo. Você não dá conta que está ficando velha porque as pessoas que você conhece estão envelhecendo junto com você, é algo natural. E a gente tem que se gostar em todas as fases. Eu sou vaidosa, mas estou muito feliz com o que eu vejo no espelho.

Anúncio de Natasha na Europa e na vitória de um dos 15 concursos de Miss [à direita, foto de Eduardo Moraes]

E continua linda mesmo. Na sua performance atual, traz as músicas dos anos 90?

Nem sempre, pois me atualizei, claro. Se atualizar é muito importante para continuar. Não dá para ficar fazendo música de 2000 e muito menos dos anos 90 agora em 2013, pois não tem nada a ver. Eu fazia muita salsa antes, que eu adorava e ainda procuro fazer quando tenho oportunidade. Mas veja, até a Thalia e a Gloria Stefan mudaram. Procuro fazer música mais atual, dance, que tem a ver comigo. [obs: na festa, Natasha dublou uma música de Jessie J]

Atualmente você mora na Áustria e Espanha. Como é a sua vida fora do Brasil?

Meu dia a dia é supersimples. Adoro sair, ir ao cinema, tenho uma vida social legal. Não espero muita coisa das pessoas, não espero que alguma coisa aconteça na minha vida, eu sempre luto por mim. Faço shows fora do Brasil, mas lá é diferente, pois tenho que fazer strip-tease total. As pessoas não acreditam quando você falam que é trans, então você tem que mostrar tudo. No começo, eu ficava com vergonha, mas agora já me acostumei. Quando não estou fazendo shows, saio com minhas amigas, vou para festas, beijo bastante. Gosto de balada…

Já viveu o seu grande amor?

Já vivi várias vezes, pois não acredito que o amor seja um só. Cada fase é uma fase. Existem pessoas que você gosta mais ou menos, mas sempre dá para acontecer e todas são importantes. E posso dizer que tive sorte nos meus relacionamentos, não tive azar, não (risos). Tive três homens que realmente posso considerar grandes amores, que se relacionaram comigo durante anos e que eu conheci toda a família… Ah! E foram todos brasileiros. De fora, só tive ficantes. Os homens não acreditam em mim, dizem que eu não tenho cara de uma pessoa fiel. E olha que eu sou, viu? Agora, estou sozinha, namorando eu mesma.

– O que tem de pior na vida de uma trans?


Foi o que eu disse lá no começo: são as más companhias. Elas destroem a sua vida. Já conheci muita gente má índole e infelizmente não dá para discernir quem é quem em um primeiro momento. Só vamos descobrir convivendo… Existem pessoas que não querem fazer a história delas, elas querem ser você. E não existe isso, você tem que lutar para realizar tudo aquilo que quiser. Mas sempre penso assim: quando uma pessoa magoa a outra quem perde é ela, pois você até que enfim se livrou de alguém assim.
– O que ninguém sabe sobre você e que você poderia nos contar?


Apesar de sempre me verem alegre, eu tive uma forte depressão, fiquei muito mal. Mas graças a Deus meus amigos me ajudaram a sair. Isso nem minha mãe sabe, pois não conto, pois não adianta nada ficar falando. Eu estava na Espanha, me roubaram mais de 100 mil e fiquei muito mal. Não queria sair de casa, queria morrer, queria me matar. Os amigos me deram uma força, mas tive que tirar forças de dentro de mim.

Em um dos filmes adultos e, ao lado, do ex-namorado Fabio Scorpion [1966-2004] e do Julio Vidal


Olha, comecei a pensar que teria que viver o hoje, daqui para frente, a aprender a recomeçar do zero… Que não iria adiantar pensar no que passou, pois não iria adiantar, o tempo não iria mudar e não daria mais para mexer no que foi. Eu tinha que lutar, esquecer o passado, pois era a única maneira. Vivi cada dia, focando no futuro… Hoje, estou bem, graças a Deus.

– Se arrepende de algo?

Não posso falar que tenho arrependimento, pois talvez tivesse que passar pela experiência. E talvez fizesse tudo de novo.  – O que acha da nova geração de travestis e transexuais?


Acho que cada dia elas começam bem cedo e eu entendo, pois quando você é trans assumir-se é uma necessidade. Você sente-se mulher, não tem como segurar mesmo. Eu acho legal, pois quanto mais ongs, associações, grupos, mais a nossa situação melhora. Até para a cabeça da população em geral, porque por mais que exista um número maior de trans, a cabeça das pessoas é muito pequena no assunto, ainda existe muito preconceito. Não é tão liberal, penso eu.

– Qual é o conselho que você dá para essa nova geração?

Tenha muita fé em primeiro lugar, porque é difícil esse nosso meio. Se valorize, se goste e não deixe que ninguém te coloque para baixo.

– Qual é o seu sonho hoje?

Graças a Deus, realizei quase tudo o que eu quis. Hoje, gostaria de conhecer os Estados Unidos. É uma vontade, não é bem um sonho. Acho que a gente aprende muito viajando…

– Diante de nossa conversa, tenho a impressão que muitas histórias estão para serem reveladas. Pensa em escrever um livro?

Penso, é isso que eu vou fazer agora. Vai ter muita verdade, pois as pessoas me veem de maquiagem, a noite, feliz, mas no dia a dia a gente é bem diferente. As pessoas vão gostar…

– Tenho certeza que sim!

Confira fotos dos bastidores da entrevista:

Confira alguns vídeos de Natasha Dumont: 

Na Blue Space, nos anos 90, como Mulher Maravilha Em recente apresentação, no Terças Trans Cantando Vanusa, no Programa Silvio Santos

São esses comentários que nos faz acreditar que, apesar de toda desvalorização, ataques e falta de apoio, o trabalho não foi em vão. Obrigado!!!