Por Thales Coimbra*
Muitas pessoas trans têm o interesse em se submeter à cirurgia de transgenitalização. Esse não é um “requisito” para a pessoa se considerar trans, todo mundo sabe, mas não significa que a cirurgia não seja uma necessidade pra muita gente – seja pelo motivo que for, não cabendo a ninguém julgar se isso é certo, errado ou o que quer que seja.
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E como a vivência da identidade de gênero é um aspecto muito importante que compõe quem as pessoas são enquanto seres humanos, o Sistema Único de Saúde já garante o direito ao processo transexualizador em sua rede de atendimento por meio da Portaria 2.803/2013 do Ministério da Saúde.
Mas, sabemos, a cirurgia de transgenitalização pelo SUS demora. São, no mínimo 2 anos de acompanhamento multidisciplinar com assistente social, endocrinologista, psicólogo e psiquiatra. Isso sem contar, é claro, as longas filas de espera para tão somente ser incluído no programa.
Por isso, muita gente se pergunta se dá pra fazer a cirurgia pelo plano de saúde.
Infelizmente, não existe uma lei específica que determine que os planos de saúde devam garantir esse procedimento cirúrgico. No entanto, é possível obter uma autorização judicial para isso. Como?
Num caso julgado em 2015, o Tribunal de Justiça do estado de Minas Gerais determinou que a Unimed deveria arcar com a retirada do ovário de um homem trans. Para justificar sua decisão, na ação 1.0702.15.006188-6/001, o desembargador Eduardo Mariné da Cunha afirmou que o sujeito interessado corria um risco concreto de desenvolver câncer nos ovários em decorrência do tratamento hormonal com testosterona. Por isso, por mais que o contrato assinado com a Unimed não previsse essa cirurgia, deveria prevalecer o direito constitucional do segurado a ver sua saúde protegida.
Além disso, segundo o desembargador, a própria Agência Nacional de Saúde inclui em seu rol de cirurgias obrigatórias a cirurgia de retirada dos ovários. Deste modo, a Unimed – ou qualquer outro plano de saúde – não poderia se negar a fazer a cirurgia.
A cirurgia de transgenitalização, ademais, não constitui mera cirurgia estética, como qualquer cirurgia plástica, mas pode ser entendida como forma de tratamento de saúde que visa garantir a melhor qualidade de vida para pessoas cuja identidade de gênero difere do corpo com que nasceu. Afinal, quem nunca soube de alguém em sofrimento psíquico por não conseguir adequar seu corpo a sua identidade psicossocial?
É justamente pensando nesse quadro de sofrimento mental a que transexuais estão expostxs que podemos dizer que a cirurgia de transgenitalização não seria um luxo; logo,pode ser exigida por meio de ação judicial.
Muito interessante, também, é notar que, para garantir que a decisão seja cumprida pelo plano de saúde, o juiz do caso pode determinar uma multa diária. Quando o assunto é saúde, seja de quem for, é sempre importante acionar o Judiciário.
* Thales Coimbra é advogado militante e especialista em direito LGBT (OAB/SP 346.804); graduou-se na Faculdade de Direito da USP, onde, entre os anos de 2009 e 2015, fundou e coordenou o Grupo de Estudos em Direito e Sexualidade, e onde cursa hoje mestrado na área de filosofia do direito sobre discurso de ódio homofóbico; também atuou como advogado no Centro de Cidadania LGBT Arouche, da Prefeitura de São Paulo; e escreve quinzenalmente sobre Direitos nos portais A Capa e NLucon. http://www.thalescoimbra.com.br