Por Neto Lucon
A historiadora, jornalista e professora brasileira Astrid Beatriz Bodstein, que é uma mulher transexual, recebeu na última semana uma insígnia do Chefe da Família Real Francesa, o príncipe Henri d’Orleans, conde de Paris. A honraria foi oferecida em reconhecimento aos militantes que ajudam a divulgar informações sobre os herdeiros da família real da França.
“Sua ação militante foi pessoalmente reconhecida pelo chefe da Casa Real da França, monsenhor o conde de Paris. Ficamos felizes por retornar a honra que lhe é devida”, diz o texto que anunciou os nomes. Ela é referida como madame Astrid Beatriz e é conhecida pelos grupos destinados às famílias reais nas redes sociais.
Em entrevista ao NLUCON, a historiadora afirma que é monarquista e que tem dois grupos dedicados à família real francesa. Um deles é em homenagem a Princesa Isabel de Orleans e Bragança (1911-2003), neta mais velha da princesa Isabel, nascida no Brasil e que se casou com um herdeiro da França. Astrid é declaradamente fã da princesa e guarda com carinho uma carta que recebeu em 2001.
“Receber essa insígnia por parte do chefe da Família Real de França tem um valor altamente simbólico, pois é o reconhecimento do trabalho que faço espontaneamente. Eu queria que isso também fosse encarado como uma referência positiva para as pessoas que, assim como eu, também são monarquistas”, declara.
O desenho da insígnia traz a flor de lis, símbolo da dinastia francesa, a coroa real da França e o lema: Montjoie Saint Denis. Esta é a segunda insígnia que ela recebe. A primeira ocorreu há quatro anos pela Comenda do Memorial Visconde de Mauá, pelo trabalho de educadora. “Tecnicamente sou uma comendadora do Memorial Visconde de Mauá”.
MONARQUISTA
Astrid diz que é monarquista desde os 16 anos. Para quem não sabe, nas monarquias a condição do chefe de estado é exercida em função de ser membro da dinastia nacional. A posição é feita por questões hereditárias e independente de partidos político, tendo a premissa de atuar com mais independência pelos interesses da nação e da população. Ele reina, mas não rege a administração da nação. Ele não governa, mas exerce uma influência moral tanto, no aspecto político e social, dependendo da constituição de cada país. A saída do cargo se dá por abdicação ou morte.
Astrid e o príncipe D. Pedro V Carlos de Orleans e Bragança, chefe da Casa Imperial do Brasil
Primeiro, Astrid se interessou pelo glamour, protocolo e, depois, pelo aspecto político. Sua família – Bodstein – é judia, alemã, não titulada, porém brasonada. “Um brasão concedido por uma autoridade real, a imperatriz Catarina II da Rússia”, revela.
“O que me encanta no aspecto político da monarquia é o apartidarismo da chefia de estado. No nosso caso, o imperador está ali por ter nascido em uma dinastia, ter sido preparado para reinar, sempre procurando o melhor para seu povo. Ele não precisa se preocupar com alianças e conchavos a favor da governabilidade, como acontece nas repúblicas”. Ela cita o imperador da Áustria, Francisco José: “Minha função é defender o meu povo dos maus governos”.
Astrid conhece grande parte da família imperial do Brasil, se corresponde com alguns príncipes europeus e sempre promove entrevistas para seus grupos nas redes sociais. Vários a seguem no Instagram e interagem com ela. Ela afirma que seu contato não traz nenhum benefício, além de conhecer muitas pessoas interessantes. Ao contrário. Ser uma mulher trans declaradamente monarquista ou uma monarquista declaradamente mulher trans rende muitas críticas.
“É duplamente inglória, porque nós, LGBT monarquistas, somos atacados tanto pela extrema esquerda quanto pela extrema direita. Estamos em uma situação de fogo cruzado. No imaginário coletivo e do movimento LGBT todos nós somos de esquerda. E ser monarquista gera um grau de rejeição e de mal-entendidos muito grandes, porque confundem muito com a extrema direita, com fascismo. Para você ter uma ideia, teve gente da esquerda que me acusou de ser partidária do Bolsonaro. Isso chega a ser criminoso. Também fui acusada de ser racista por um homem trans, porque associam a monarquia com a defesa da escravidão. Isso é um absurdo e de extrema má fé”.
A historiadora revela que usa de sua influência para fazer ativismo. Tanto que um dos grupos que tem chama-se Monarquistas LGBT, que tem 55 pessoas. “Nele, participam dois príncipes da família imperial do Brasil. Então acredito que era minha obrigação, enquanto mulher trans e monarquista, levar para eles a nossa realidade, as nossas vivências, manter diálogo e construir pontes para possíveis aliados. Como alguém já fez com a esquerda e passamos a ter aliados, nós precisamos de aliados em todos os lugares”, diz.
MADAME TRANS
Não há atualmente nenhuma referência de rainhas, reis, princesas ou príncipes trans. Pelo menos não oficialmente. Astrid afirma que alguns monarquistas sabem que ela é uma mulher trans, bem como o príncipe Dom Pedro Carlos V de Orleans e Bragança, o chefe da família imperial do Brasil, e o príncipe Dom João Henrique. “Eles sabem e me respeitam”, conta.
Astrid e o príncipe d. Manuel de Orleans e Bragança
Ela conta que é alvo de preconceito por parte dos monarquistas brasileiros tradicionais e católicos. “Eles me detestam (risos). Mas os mais jovens e liberais me respeitam. Muitos monarquistas me chamam de Lady Astrid. Sou uma referência, estudiosa, tenho artigos sobre monarquia, realeza, então me respeitam muito”, conta.
Sobre o chefe da Casa de França, que acaba de lhe dar uma insígnia, ela diz que não informou sobre sua identidade de gênero e que não sabe qual seria a reação caso ele venha a saber. “Não sei dizer o que ele poderia fazer, talvez retirasse a insígnia, mas talvez fosse ficar feio. Só sei que ele nunca se manifestou sobre, nem contra e nem a favor”.
CRUSHS E INSPIRAÇÕES
Da sua experiência, Astrid elege os príncipes mais gatos da realeza. Nenhum infelizmente é solteiro. “O príncipe William, da Inglaterra, é um crush meu. Acho o Carlos Filipe, da Suécia, muito gato também. O francês chamado Foulques d’Orleans, duque d’aumale e Conde d’Eu, também é muito lindo”. Veja quem são eles ao fim da matéria!
Já entre as princesas e rainhas que se inspira estão a rainha Mathilde, da Bélgica, a princesa Mary, da Dinamarca, Victória, da Suécia, e rainha Sofia, da Espanha. “Todas são muito elegantes e que eu admiro profundamente”.
Em sua rotina, ela traz da monarquia o respeito às hierarquias, boas maneiras, educação, honra e consideração. “Como grande parte dos monarquistas frequentaram a velha escola, eles prezam pela educação. Então tento trazer isso para a minha realidade”, conta ela. “Na maneira de se vestir, sou de alguma forma mais recatada e talvez isso tenha alguma influência real”.
Para aquelas pessoas LGBT que querem se aproximar na monarquia, ela dá a dica. “Temos que seguir o que acreditamos. Acho que quem acha que a monarquia pode contribuir para a melhor ado Brasil, tem que assumir o posicionamento. É muito fácil nadar com a correnteza, se dizer de esquerda, por filosofia ou conveniência, quando todos já esperam isso de você. O duro é nadar contra a correnteza. Assuma e be happy”.
* Astrid é avessa a sair na mídia e na autopromoção. Ela abriu esta exceção ao NLUCON por acreditar em nosso trabalho e por acreditar que é necessário mostrar outras realidades de pessoas trans no aspecto político. Ela frisa que não é de extrema direita.
Com o príncipe d. Luiz Phillipe de Orleans e Bragança
Foulques, Carlos Filipe e William: os crushes da nossa madame Astrid
Alguns dos artigos publicados por Astrid
Princesa Isabel de Orleans e Bragança e carta destinada à Astrid em 2001