.
Por Neto Lucon
Passaram-se 11 anos desde que a travesti Camilla de Castro teve seu fim trágico em 27 de julho de 2005, em São Paulo. Aos 26 anos, ela saltou nua do sétimo andar de um prédio localizado na Praça Franklin Roosevelt, centro de São Paulo. E colocou em debate a difícil vida amorosa de uma travesti.
Noticiado como suicídio, o caso chocou a comunidade trans, uma vez que a jovem era sucesso na televisão, estava no auge da carreira e era considerada uma das mais belas travestis do país.
Na época, Camilla participava do quadro “Camilla quer Casar”, do programa Superpop, da RedeTV!, e encantava a todos por sua beleza, educação e o sonho de encontrar um companheiro que a assumisse publicamente.
Foram mais de três mil candidatos, mas Camilla não conseguiu encontrar ninguém que despertasse interesse. Isso porque, ao mesmo tempo em que aparecia na TV, ela enfrentava uma das maiores desilusões de sua vida. O amor por um homem que a amava apenas entre quatro paredes, mas que não tinha coragem de ir com ela até a padaria pelo preconceito.
Amigos e pessoas próximas dizem que é justamente a ausência de alguém que a amasse e a assumisse publicamente, aliada a outros preconceitos e desafios que só ela poderia dizer, que teriam motivado o suposto suicídio. Tanto que ela escreveu um e-mail ao blogueiro Alex Jungle, em que desabafava sobre o fim do romance e se dizia “desiludida”.
No relato, contava que aprendeu com uma amiga mais velha que não “existia amor para as travestis” e que os homens as viam “como privadas humanas, onde descarregavam seus desejos mais ‘loucos’ sem sequer olhar para trás depois”. Uma triste realidade de uma sociedade que rejeita, fetichiza, objetifica e mata travestis e transexuais.
UMA ESTRELA PORNÔ
Camilla era natural de Santo André e desde muito cedo se identificava com o universo feminino. Com aparência considerada naturalmente feminina – e ela carecia de cirurgias plásticas – não foi difícil o seu processo de transição. Ela morou com as tias até os 19 anos, até que veio para São Paulo.
Camila de Castro em capa de filmes adultos |
Assim como 90% das travestis e mulheres transexuais, iniciou o trabalho como profissional do sexo e, por sua beleza, não demorou muito para ser chamada para estrelar ensaios fotográficos e filmes adultos. A entrada em produções pornôs brasileiras e internacionais ocorreu em 2000.
Em menos de quatro anos de carreira, Camilla foi capa de pelo menos 10 filmes e apareceu em mais de 20 cenas das produtoras Evil Angel, Angel Elegant, Robert Hill Releasing. Contracenou com homens cis e outras travestis e, dentre as estrelas do pornô brasileiro, atuou com Patricia Araújo, Natasha Dumont e Julio Vidal.
Em sites especializados, que ainda hoje divulgam seus ensaios e filmes, é apontada como uma “lendária atriz pornô travesti latina”.
SUPERPOP
Em 2004, conversou com a produção do programa Superpop – que era acostumado a levar pautas (nem sempre positivas) sobre a população trans – e foi chamada para um reality show amoroso. O quadro visava encontrar um namorado para Camilla, que teria que escolher com qual ela gostaria de se casar.
Camilla frisava que não escolheria ninguém apenas para “ficar bem na TV” e dispensava sobretudo aqueles que não queriam mostrar o rosto ou que demonstravam não estarem confiantes o suficiente para assumi-la publicamente. Ela falava em casamento, mesmo, de véu e grinalda, enquanto a TV encarava tudo como um show.
O quadro ainda estava rolando e Camilla tinha uma gravação agendada para a próxima semana quando ocorreu o suicídio. Na época, o então diretor Marcelo Nascimento declarou que a jovem estava bastante deprimida e que algumas sugestões do que teria levado o suicídio era o amor por um rapaz que não a assumia publicamente.
.
No dia da morte, o programa foi todo sobre Camilla. Um tanto sensacionalista, Luciana Gimenez questionava no ar se era mesmo suicídio, um acidente ou assassinato, enquanto a repórter exibia o sangue em frente ao hotel. Especularam que ela seria soropositiva – o que nunca foi confirmado – e que se prostituía – como se ninguém soubesse.
O caso foi registrado pela Polícia Civil como “morte a esclarecer”.
A CARTA
Como adiantamos, antes de sua morte, Camilla escreveu uma carta para o blog de Alex Jungle. Em terceira pessoa, ela falava sobre a sua desilusão amorosa que acabara de sofrer e o que pensava sobre os homens. Relatou o encontro com um em especial que conheceu na rua, que beijou e que teve uma noite de “sexo alucinado”, ficando com ele a noite toda, até o horário do trabalho dele.
Eles se reencontraram diversas vezes, sempre às escondidas no apartamento, e trocaram confidências profundas. Ambos se apaixonaram, mas o rapaz temia ser visto com uma travesti.
“E de repente eles eram Adão e Eva, em versão anos 2000, expulsos de seu paraíso particular. Pois ela era obrigada a namorar escondido dentro de casa, com um homem que se ajoelhava a seus pés e lhe fazia juras de amor eterno, mas que não tinha coragem de ir com ela até a padaria da esquina. Ele também deveria estar se amaldiçoando, com o coração dividido entre a razão e o coração”, escreveu.
.
Camilla relata que lutou pelo relacionamento por três meses, até que não aguentou mais. “Se ele já não aguentava mais a certeza de não ser corajoso o suficiente para pegar seu sonho pelas mãos e arrastá-lo consigo para a luz do dia, ela preferiu mandá-lo embora. Mandá-lo de volta para o universo que ele conhecia. Que era seguro para ele. Ele pediu mais um tempo, que ela se deu o direito de negar. Estava cansada. E as lágrimas dele não a fizeram mudar, pois ela sabia que ele não seguraria o tranco”.
Ela afirma que estava desenganada com a vida e que aprendeu que deveria sempre ser “amada e adorada em segredo”. Escreveu que se isolou, mas que foi aprendendo a gostar mais de si e que sabia que sua família e suas amigas que a conhecem de verdade a amam. “Não pensem alguns incautos que estou ainda derrotada e vencida, à mercê de qualquer tentativa de gozada de graça com a Camilla de Castro travestida de “namorico”. Como creio que pode agora perceber, não sou nenhuma iludida”.
Durante sua participação na TV, Camilla não chegou a comentar sobre esse romance. Hoje, onze anos após a sua morte, ela teria 37 anos.