Na terça-feira [10], uma travesti de 15 anos morreu em Ribeirão Preto, em São Paulo, após sofrer complicações causadas pela aplicação de silicone industrial nas nádegas. Após vir para São Paulo para a aplicação, a trans estava com amigos em Ribeirão e começou a passar mal. Ela sofreu uma parada cardíaca e chegou sem vida ao hospital, informou a Secretaria de Saúde.
Notícias assim são comuns e pipocam diariamente na internet. Porém, apesar de saberem que o silicone industrial contém muitas impurezas, que é utilizado para a lubrificação de peças automotivas e que sua aplicação pode causar infecção e danos ao corpo [inclusive deformando partes], muitas trans ainda utilizam desta técnica. Qual é o motivo?
Em algum momento o silicone industrial apareceu em suas vidas [seja como uma oferta, opção rápida para transformar o corpo, ou no acompanhamento de uma amiga?]? Já chegaram a presenciar uma aplicação? Como é? Existiria alguma técnica que dê certo? E o que levaram em conta no momento de transformarem os seus corpo [com próteses, hormônios e tal]? Quais foram os cuidados?
OBS: A intenção do Trans em Debate não é condenar quem aplicou no próprio corpo, fazer juízo de valores nas bombadeiras [a pessoa que aplica] e muito menos fazer uma apologia a qualquer método. Queremos promover o debate, entender motivações, informar sobre experiências e alertar. Caso tenha algo que queira complementar, deixe o seu comentário.
Abaixo os depoimentos:
“Há trans que acham que silicone industrial é passaporte para a travestilidade”
Tomava Hormônios, fazia academia, tinha próteses na mama, fiz rinoplastia, mas nunca estava realizada com meu corpo e tinha vergonha de usar saia. As trans mais experientes me chamavam de “gay de peito” ou “gayrota”, pelo fato de não ter ainda a tal substância, que segundo no nosso meio, é o passaporte para a travestilidade! E o silicone industrial tinha a função de deixar o corpo mais próximo do natural de uma mulher biológica.
Cansada de me cobrar por esse padrão de beleza imposto, me submeti a tal técnica e até o momento não me arrependo, estou realizada. Talvez no futuro o arrependimento possa vir, mas para mim já é um caminho sem volta. Coloquei em poucas medidas, tudo para ficar o mais natural e proporcional possível, fiquei trinta dias de repouso, para o líquido não mover pelo corpo, me cuidei e, depois desse procedimento nada correto, nunca mais escondi as minhas pernas.
O lado negativo disso tudo é que perdi muitas amigas e, vira e mexe, lemos notícias de mortes. Temos que mudar isso e descartar esse método para futuras gerações de TTs. Hoje, se fala muito em outro líquido, que eu não sei o efeito disso ao longo prazo, mas dizem que é mais seguro, mas muito mais caro que o silicone industrial. Precisamos de um trabalho sério por parte da saúde, que deve permitir políticas para reverter esse recurso.
Mas não vou condenar as bombadeiras, pois médicos formados também erram e matam muitos pacientes no ramo das plásticas. Quando me submeti a isso, tinha conhecimento de tudo que poderia acontecer, da tal “dor da beleza”. Lembro uma cena do filme Carandiru, em que Rodrigo Santoro diz ao médico: “não importa a origem do silicone e, sim, as formas femininas que ele proporciona”, então, quando fazemos é bem por aí.
ALESSANDRA OLIVEIRA
“Minha amiga disse que ouvia a pele se descolar da carne”
Infelizmente, a travesti de 15 anos é mais uma que entra na estatística daquelas que infelizmente vem a óbito devido ao uso do silicone industrial. Porém, é preciso frisar que há muito tempo este método é utilizado para a mudança do corpo, com a intenção de deixar as curvas mais femininas. Afinal, como uma amiga dizia: o silicone vai onde o hormônio para.
Por que, mesmo com esses casos, o grupo trans continua utilizando esse método? É que, quando você se assume travesti ou transexual, você quer assumir uma imagem feminina e abandonar de vez a masculina. Afinal, você se encontrou nessa condição e precisa mudar. E quer mudar rápido, ver o corpo ganhar curvas e quer chamar atenção o mais rápido possível. E o silicone industrial é muito mais barato que a prótese.
Já vi um vídeo de aplicação e tive uma amiga que aplicou nos seios e teve que ficar um bom tempo sem trabalhar e ainda ficar com um sutiã apertadíssimo e com uma tala no meio para que o silicone do outro seio não se juntasse com o outro. Apesar de a estética ter ficado linda, ela mesma não indicava para ninguém. Disse que é uma dor horrível e até ouvia a pele se descolando da carne no momento que o silicone era injetado. É um método que depois que começa tem que ir até o fim, pois corre risco de deformação.
Digo que há outras formas de se mudar o corpo e, hoje, as clinicas oferecem cirurgias para implantes. Outra é a hormonização. Quando iniciei a minha hormonização, pesquisei muito sobre casos, verifiquei a dosagem, conversei com médicos e a minha mudança corporal foi muito significativa. Eu estou feliz com meu corpo e não tenho interesse, pelo menos por enquanto, a recorrer às próteses e muito menos ao silicone industrial.
DUDA BARRETO
“Novas gerações não estão fazendo tanto uso. Preferem corpo de panicat”
“Não fiz uso de silicone industrial no meu corpo, pois sempre fui gordinha e tive muito medo de dar errado. Mas, embora tenha optado por continuar natural, entendo quem usa. O desejo pelo corpo feminino é muito importante para as transexuais, aí quem é muito magra ou tem traços masculinos sofre por não ter as curvas desejadas.
Para quem se prostitui é pior, pois é possível ver amigas que têm o silicone ganhando muito mais. Ou até mesmo na vida pessoal, quando observam homens paquerando as amigas com penas e bumbuns maiores. Tudo isso vai mexendo com o ego e aí, o que fazer?
Você realiza o seu sonho por 300 reais o litro do silicone, que vai moldar o bumbum, pernas e quadril, ou trabalha anos e junta aproximadamente 15 mil reais com uma prótese que vai aumentar apenas o bumbum e você continuará com o quadril reto e as pernas roliças?
Infelizmente, a maioria das travestis tem uma realidade financeira muito baixa e a busca rápida pela realização desse sonho acaba fazendo muitas optarem pela aplicação do silicone industrial. Já acompanhei a bombação de cinco amigas, que me pediram para acompanha-las e passar mais segurança e tomar providências caso algo de errado acontecesse. É assustador, momentos de muita aflição.
Infelizmente, a aplicação de silicone ou de algum material medicinalmente correto nas travestis não é bem visto e rentável na medicina, o que não resolve a situação do grupo. Mas sinto que a realidade está mudando e que a nova geração está cada vez mais natural e fazendo cada vez menos o urso de silicone. A academia tem virado febre entre as trans, que buscam o estilo “panicat”.
FERNANDA VERMANT
“Hoje em dia, muita mulher também aplica”.
Nunca usei, não posso usar e nunca tive vontade. Já conheci várias que colocaram e se deram bem e outras que se deram mal. Mas sou modelo e meu perfil é diferente, não posso ter tantas curvas. Mesmo assim, Deus me presenteou com uma linda mãe e eu saí com curvas naturais.
Fora do meio da moda, sinto muita pressão para ter mais volume no bumbum, nas pernas, assim como todas sofrem pressão para serem gostosas. Afinal, o brasileiro gosta e, assim, ela será mais aceita, pelo menos para os homens. Mas não posso, por conta da profissão, e também não vejo necessidade.
Hoje, apesar de tudo o que se fala, o silicone é uma realidade, muitas ficam lindas e adianto que tem muita mulher que coloca, viu?
EDUARDA LOURENÇO
“Me ofereceram uma bunda em formato de coração por R$500″
Entre bombar ou não, escolho a segunda opção por saber das consequências horríveis que podem ser causadas. Detesto as pessoas que fazem apologia ao uso dele, pois quando iniciei o processo de trans, recebi uma proposta de colocar no bumbum por R$500, com a “garantia” de ter uma bunda em formato de coração.
Neguei na hora, pois já havia pesquisado muito e sabia dos riscos e problemas que eu poderia ter. Me amo demais para correr esse risco. Muitas de nós querem aquela beleza perfeita, uma estética para ninguém colocar defeito, haja vista que o hormônio feminino não dá quadril. E você pode reparar que a maioria que quer bombar, quer o quadril ou bumbum.
Para mim, o mais importante é você se amar e não cometer violência contra o seu corpo. Porque, às vezes, você utiliza desses métodos sem ter a noção real do que pode acontecer em suas vidas. É algo que me tira o sono.
LIROUS K’YO FONSECA
“Sociedade dita o que é ser mulher. Não basta ter seio, tem que ter determinado seio”
Desde que eu comecei a conviver no gueto LGBT, fica visível a percepção machista que ainda influência ditando o que é ser mulher. Esse ser mulher vai além do que é a mulher ideal para o homem, e sim aquela que serve apenas de fetiche sexual para o mesmo. O “homem”, na sua maioria, sempre prega que não namoraria com uma mulher vulgar, com cara de vadia (lembrando que a vadia é a mesma sexy apontada no momento em que os hormônios estão em ebulição), ou a “tipo mulherão”. Pois o que se vê é a preferência dos homens para relacionamento com mulheres acima do peso, as gordinhas, e as “mions”.
As mulheres trans são inseridas esteticamente por padrões comerciais, não é o fato de você ter seios, é o fato de você ter determinado seio, determinada bunda, cabelo comprido, determinadas vestimentas, podendo ser apontada como ser ou não uma mulher de verdade.
Nesse mercado, não há espaço para as mulheres trans de cabelo curto, com um corpo mais “Lady Gaga”, ou sem a cara redonda de hormônio, que não use roupas curtas. Ou você assume o papel de mulher objeto, ou se conforma em ser menos mulher. É isso que leva as meninas a optarem por arriscar a vida se sujeitando as formulas mais rápidas e baratas de alcançar o padrão de estética machista, exigido pela sociedade e reproduzida pela comunidade de mulheres trans. Mulheres- objetos que serão descartadas no dia seguinte.
Isso começa desde a influência de outras meninas trans e gays, como também pelo questionamento que os homens fazem antes de escolherem uma menina para depositar o seu esperma. Inacreditavelmente, não compreendo como isso pode ser levado em conta e menos ainda como é definido o que é ou não ser mulher, já que mulheres são apenas papeis de gênero, ninguém nasce mulher, se torna mulher e esse se tornar, vai muito além de ter uma vagina e sangrar mensalmente. Se pensarmos desta forma, colocamos as mulheres a margem mais uma vez, como apenas encubadoras e reprodutoras, dando mais espaço ainda para o machismo que predomina a Terra.
Sempre me questionaram se eu optaria ou não em fazer e, pelo menos no quadril, já passou pela minha cabeça, mas depois de ver os prós e contras, enxergando mais contras, descartei de vez essa possibilidade. Toda a vez que eu pensei em na transformação corporal, por incrível que pareça, a única coisa que me vinha a cabeça era o me vestir bem, pois muitas roupas você consegue vestir bem a partir do caimento, pensamento infantil para quem na época tinha uma cabeça ainda muito infantil. Hormônios eu não tomo há muitos anos, desde que tive problemas de saúde, mudanças bruscas de humor não é comigo e não há nada que seja mais importante do que a minha paz de espirito.
Hoje, convivo com uma amiga que passou por esse procedimento e o silicone gastou com o tempo, pois tudo tem uma validade. Ele começou a percorrer as partes que desprendem do resto do corpo, causando muita dor na circulação, criando varizes e impossibilitando de ficar muito tempo sentada. Não pretendo morrer jovem, então devo cuidar da casa que eu habito para viver saudável.
QUER SABER MAIS?
Assista ao documentário Bombadeira